Tipologias de Fraudes Financeiras III: Conluio Intersubjetivo de Licitantes

Após involuntária redução nas publicações desse blog, necessária para alinhavar ideias em artigos científicos – referenciados aqui (1) –, retomo as postagens tratando sobre as fraudes financeiras ocorridas em licitações públicas.

A escolha do assunto decorre da minha atuação profissional, quase inteiramente voltada para investigação de crimes de fraude licitatória e desvio de recursos em obras públicas, tão comuns na Paraíba quanto acredito o serem Brasil afora.

Nesses anos de trabalho na matéria,considero ser possível agrupar as fraudes financeiras em torno das obras públicas em dois grandes grupos: fraudes licitatórias e superfaturamentos. Ambos são tipologias distintas que causam dano ao patrimônio público e podem ocorrer simultaneamente, reforçando ou facilitando um ao outro. Além dessas tipologias de obtenção de recursos espúrios, em fase subsequente do inter criminoso, é comum os agentes se valerem de técnicas de lavagem de dinheiro.

Fraudes Licitatórias

As fraudes que ocorrem costumeiramente em licitações constam de relatórios públicos há anos. O mais detalhado deles, talvez, seja o Diretrizes para Combater o Conluio entre Concorrentes em Contratações Públicas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (2).

Editadas com o objetivo de auxiliar as autoridades a impedir práticas colusivas ou, caso ocorram, a identificá-las e puni-las, as Diretrizes foram incluídas na Recomendação do Conselho da OCDE em 2012. Tal Recomendação foi revisada 8 de junho de 2023 para incluir boas práticas globais e os avanços no direito concorrencial ocorridos desde então.

Segundo as Diretrizes da OCDE, a apresentação de propostas em conluio (ou a concertação de propostas) ocorre quando os proponentes, em vez de competirem, como seria de se esperar, conspiram secretamente para aumentar os preços ou baixar a qualidade dos bens e serviços para compradores que desejem adquirir produtos ou serviços por meio de concursos, licitações ou leilões.

Embora não tratado diretamente nas Diretrizes da OCDE, a experiência mostra que esses crimes licitatórios ocorrem em estreita concorrência com servidores públicos responsáveis pelo processo de licitação (ex: comissão de licitação) ou pela efetivação da despesa pública (ex: Prefeito, secretário ordenador de despesas etc). Não raras vezes, os empresários atuam como agentes dos servidores públicos no processo de simulacro de concorrência para dar ares de legalidade a despesas públicas que possibilitam o desvio de recursos subsequente.

Para tanto, necessário se fazer a ressalva de que tudo o que se fala nesta postagem sobre fraude licitatório pode ocorrer com o auxílio ou sob direção de servidores públicos.

Dito isso, as Diretrizes da OCDE acertam em destacar que organismos públicos e privados contam muitas vezes com um processo de concursos e leilões competitivo para realizar bons negócios. Preços baixos e melhores produtos são desejáveis porque permitem que os recursos sejam economizados ou liberados para serem utilizados na aquisição de outros bens ou serviços. O processo competitivo só pode atingir preços mais baixos ou uma melhor qualidade e inovação quando as empresas competem genuinamente, i.e. estabelecem os seus termos e condições de forma honesta e independente.

A concertação de propostas é particularmente prejudicial quando afeta a contratação pública – que nos países da OCDE constituem aproximadamente 15% do PIB. Tais conluios retiram recursos dos adquirentes e contribuintes, diminuem a confiança do público no processo competitivo, e enfraquecem os benefícios de um mercado competitivo.

Formas Comuns Conluio entre Licitante

O conluio entre licitantes podem assumir diversas formas, mas todas impedem a aquisição de produtos e serviços ao mais baixo preço possível. O objetivo principal do conluio entre licitantes é o aumento do valor da proposta vencedora e, consequentemente, do lucro dos criminosos.

Os esquemas de cartel em licitações frequentemente incluem mecanismos de partilha e distribuição entre os conspiradores dos lucros adicionais obtidos através da contratação por preço final mais elevado. Por exemplo, os concorrentes que combinam não apresentarem propostas ou apresentarem propostas para perder podem ser subcontratados ou obter contratos de fornecimento do concorrente cuja proposta foi adjudicada, de forma a dividir com este os lucros obtidos através da proposta com o preço mais elevado, alcançados de forma ilegal.

Cartéis em licitações podem a longo prazo utilizar métodos muito mais elaborados de obtenção de adjudicações de contratos, de monitorização e de divisão dos lucros do conluio durante meses ou anos. O conluio entre concorrentes pode também incluir pagamentos em dinheiro feitos pelo detentor da proposta adjudicada a um ou mais dos conspiradores. Este chamado pagamento compensatório é também por vezes associado a empresas que submetem propostas “fictícias” (ou “de cobertura” – em valor mais elevado). Em muitos casos o pagamento compensatório é facilitado pela utilização de faturas falsas para trabalhos subcontratados. Na verdade, estes trabalhos não são realizados e as faturas são falsas. Contratos de consultoria fraudulentos também podem ser empregados para este fim.

Apesar de os indivíduos e empresas poderem entrar em acordo para implementar esquemas de conluio numa variedade de formas, costumam ser utilizadas, concomitantemente, uma ou mais de várias estratégias comuns. Estas técnicas não são mutuamente exclusivas. Por exemplo, as propostas de cobertura podem ser utilizadas em conjunto com o esquema de propostas rotativas (ou “rodízio”).

As seguintes formas comuns de conluio podem resultar em indícios que as autoridades podem detectar:

a) Propostas Fictícias ou de Cobertura: também chamadas propostas complementares, de cortesia, figurativas, ou simbólicas, são a forma mais frequente de implementação dos esquemas de conluio entre concorrentes. As propostas fictícias são concebidas para dar a aparência de uma concorrência genuína entre os licitantes. Ocorre quando indivíduos ou empresas combinam submeter propostas que envolvem, pelo menos, um dos seguintes comportamentos:

  • Um dos concorrentes aceita apresentar proposta mais elevada do que a proposta do candidato escolhido;
  • Um concorrente apresenta proposta que já sabe de antemão que é demasiado elevada para ser aceita; e/ou
  • Um concorrente apresenta proposta que contém condições específicas que sabe de antemão que serão inaceitáveis para o comprador;

b) Supressão de propostas: envolve acordos entre os concorrentes nos quais uma ou mais empresas estipulam se abster de concorrer ou retiram uma proposta previamente apresentada para que a proposta do concorrente escolhido seja aceita;

c) Propostas Rotativas ou Rodízio: as empresas continuam a concorrer, mas combinam apresentar alternadamente a proposta vencedora (i.e. a proposta de valor mais baixo). A forma como os acordos de propostas rotativas são implementados pode variar. Por exemplo, eles podem decidir atribuir aproximadamente os mesmos valores monetários de determinado grupo de contratos a cada empresa ou atribuir a cada uma delas os valores que correspondam ao seu respectivo tamanho;

d) Divisão do Mercado: os licitantes definem os contornos do mercado e acordam em não concorrer para determinados clientes ou em áreas geográficas específicas. As empresas podem, por exemplo, atribuir clientes específicos ou tipos de clientes a diferentes empresas, para que os demais concorrentes não apresentem propostas (ou apresentem apenas uma proposta fictícia) para contratos ofertados por essas classes de potenciais clientes. Em troca, o concorrente não apresenta propostas competitivas a um grupo específico de clientes atribuído a outras empresas integrantes do cartel.

Fatores que Favorecem a Fraude Licitatória

Para implementarem a fraude licitatórias, as empresas têm que

  • Definir um plano de ação comum para pôr em prática;
  • Vigiar se outras empresas estão a cumpri-lo; e
  • Estabelecer a forma de punir aquelas empresas que não o acatem.

Apesar de a fraude poder ocorrer em qualquer setor econômico, em alguns deles a probabilidade de fraude é maior, tendo em conta as características específicas. As seguintes características favorecem os esforços das empresas em efetuar propostas concertadas:

a) Pequeno número de empresas: é mais frequente ocorrer a concertação de propostas quando um pequeno número de empresas fornece o bem ou serviço. Quanto menor o número de fornecedores, mais fácil será para estes chegarem a um acordo quanto às propostas;

b) Nível reduzido ou nulo de entradas no mercado: quando empresas entraram recentemente no mercado ou quando for pouco provável que tal aconteça porque a entrada no mercado é dispendiosa, difícil ou morosa, as empresas que já operam no mercado estão protegidas da pressão competitiva de potenciais novos concorrentes. Esta barreira protetora ajuda a manter os esforços de um cartel;

c) Condições do mercado: mudanças significativas nas condições da procura ou oferta tendem a desestabilizar acordos de conluio em curso. Um fluxo de procura do setor público que seja constante e previsível tende a aumentar o risco de conluio. Simultaneamente, os períodos de crise e incerteza econômica aumentam os incentivos para a formação de cartéis, ante a intenção das empresas de repor, com lucros fraudulentos, os negócios perdidos pela crise;

d) Associações: associações de classe, bem como sindicatos patronais, podem ser utilizadas como mecanismo legítimo e favorável à concorrência pelos membros de um setor econômico para promover a qualidade, a inovação e a concorrência. Todavia, quando subvertidas com intuitos ilegais e anticoncorrenciais, estas associações são utilizadas pelas empresas para se encontrarem e ocultarem discussões, formas e meios de alcançar e implementar um acordo de cartel;

e) Propostas Recorrentes e Licitações Frequentes: aquisições recorrentes de um bem ou serviço aumentam as probabilidades de conluio entre concorrentes. A frequência com que licitações são apresentadas ajuda os membros de um acordo de cartel a distribuir entre si os contratos. Além disso, os membros de um cartel podem punir a empresa que não cumprir o acordo ficando com as propostas que originalmente lhe estavam atribuídas. Licitações de bens e serviços que são recorrentes exigem meios e vigilância especiais que desencorajem propostas em conluio;

f) Produtos ou serviços idênticos ou simples: quando os produtos ou serviços oferecidos pelos indivíduos ou empresas são idênticos ou muito parecidos, torna-se mais fácil para eles chegarem a um acordo sobre uma estrutura de preços comum;

g) Nível reduzido ou nulo de alternativas: quando o mercado dispõe de poucos produtos ou serviços alternativos de qualidade que possam substituir o produto ou serviço que está a ser adquirido, ou quando essas alternativas não existem no mercado, criminosos ficam mais seguros por saber que o responsável pelas aquisições têm poucas ou nenhuma alternativa e assim os seus esforços para aumentar os preços têm mais probabilidades de serem bem-sucedidos; e

h) Nível reduzido ou nulo de inovação tecnológica: quando a inovação do produto ou serviço em questão é reduzida ou nula, as empresas chegam mais facilmente a um acordo e o mantêm ao longo do tempo.

Indícios de Conluio de Licitantes

Naturalmente, é muito difícil para as autoridades detectar acordos de cartel porque eles são negociados secretamente. Contudo, em setores nos quais a fraude licitatória é comum, os fornecedores e adquirentes podem ter conhecimento de conspirações de conluio de longa duração. Em diversos setores, é necessário procurar pistas tais como padrões incomuns de propostas e preços, ou algo que o proponente diz ou faz. É necessário prestar muita atenção durante todo o processo de contratação pública, bem como durante a fase prévia de pesquisa de mercado.

A seguir são elencados indícios de conluio entre licitantes, conforme Diretrizes da OCDE:

1. Indícios na Apresentação das Propostas: alguns padrões e práticas de apresentação de propostas parecem estar em desacordo com as regras de um mercado competitivo e sugerem a possibilidade de concertação. Devem verificar se padrões estranhos na forma como as empresas concorrem e a frequência com que ganham ou perdem nas contratações públicas. A subcontratação e acordos ocultos de cooperação entre empresas podem igualmente levantar suspeitas. Alguns indícios que podem ser destacados são:

  • A proposta mais baixa é frequentemente do mesmo fornecedor;
  • Existe distribuição geográfica das propostas vencedoras. Algumas empresas apresentam propostas que vencem apenas em algumas zonas geográficas;
  • Os fornecedores habituais não apresentam propostas para um processo de contratação no qual seria de esperar que o fizessem, mas continuam a concorrer em outros processos;
  • Alguns fornecedores retiram-se inesperadamente do concurso ou da licitação;
  • Determinadas empresas sempre apresentam propostas mas nunca são bem-sucedidas;
  • As empresas parecem ganhar os concursos de forma alternada;
  • Duas ou mais empresas apresentam uma proposta conjunta apesar de, pelo menos, uma delas ter capacidade para apresentar uma proposta independente;
  • O concorrente vencedor subcontrata reiteradamente os demais concorrentes;
  • O concorrente vencedor não aceita a adjudicação do contrato, vindo posteriormente a descobrir-se que foi subcontratado; e
  • Os concorrentes encontram-se socialmente e têm reuniões pouco antes da apresentação de propostas.

2. Indícios nos Documentos Apresentados: podem ser encontrados indícios de conluio nos diversos documentos apresentados pelas empresas. Mesmo que as empresas que integrem o cartel procurem manter o segredo, o descuido, a prepotência ou a culpa por parte dos conspiradores podem fornecer pistas que levem à sua descoberta. Devem ser comparados cuidadosamente todos os documentos para se encontrarem elementos que sugiram que as propostas foram preparadas pela mesma pessoa ou preparadas em conjunto, tais como:

  • Erros semelhantes nos documentos ou cartas de proposta apresentadas por empresas diferentes, tais como erros de ortografia;
  • As propostas de empresas diferentes apresentam caligrafia ou tipo de letra semelhantes, ou utilizam formulários ou papel timbrado similares;
  • Os documentos da proposta de um concorrente fazem referência expressa às propostas de outros concorrentes ou utilizam o cabeçalho ou dados de outro concorrente;
  • As propostas de empresas diferentes contêm erros de cálculo semelhantes;
  • As propostas de empresas diferentes contêm um número significativo de estimativas semelhantes de custo de certos produtos;
  • Os envelopes de empresas diferentes têm carimbos postais ou marcas de registo postal semelhantes;
  • Os documentos de proposta de diferentes empresas sugerem inúmeros ajustes de última hora, tais como a utilização do corretor ou outras alterações físicas;
  • Os documentos de proposta apresentados por empresas diferentes contêm menos detalhes do que seria necessário ou esperado, ou dão outras indicações de que não são genuínas; e
  • Os concorrentes apresentam propostas semelhantes ou os preços apresentados pelos concorrentes aumentam de forma regular.

3. Indícios no Estabelecimento dos Preços: os preços das propostas podem ajudar a descobrir situações de conluio. Devem procurar padrões que sugiram que as empresas podem estar a coordenar os seus esforços, como aumentos de preços que não podem ser explicados por aumentos dos custos. Quando as propostas vencidas têm preços muito mais elevados do que a vencedora, os conspiradores podem estar utilizando um esquema de propostas fictícias ou de cobertura. Uma prática comum nos esquemas de proposta de cobertura consiste em o concorrente que a apresenta adicionar 10% ou mais ao valor da proposta mais baixa. Os preços que são mais elevados do que as estimativas de custos, ou do que propostas anteriores para contratações semelhantes, podem igualmente indicar práticas colusivas. Os seguintes comportamentos podem dar margem a suspeitas:

  • Os concorrentes aumentam os preços ou as faixas de preços de forma súbita e idêntica, situação que não pode ser explicada pelo aumento dos custos;
  • Descontos ou abatimentos previsíveis desaparecem inesperadamente;
  • A apresentação de preços idênticos pode ser preocupante especialmente quando ocorrer uma das seguintes situações: os preços dos fornecedores mantiveram-se inalterados durante um longo período de tempo; os preços dos fornecedores eram anteriormente diferentes entre si; os fornecedores aumentam o preço sem que tal seja justificado pelo aumento dos custos, ou os fornecedores eliminam os descontos, especialmente num mercado onde estes sempre foram concedidos;
  • Há uma grande diferença entre o preço de uma proposta adjudicada e as restantes;
  • A proposta de um determinado fornecedor para um contrato em particular é muito mais elevada do que a proposta do mesmo fornecedor para um contrato semelhante;
  • Há reduções significativas em relação aos níveis de preços praticados anteriormente depois de uma proposta de um novo concorrente ou de um fornecedor que não é habitual, o que pode indicar que o novo fornecedor desestabilizou um cartel para fraudar contratações públicas;
  • Os fornecedores locais propõem preços de entrega mais elevados para destinos locais do que para destinos mais afastados;
  • Empresas locais e não locais especificam custos de transporte semelhantes;
  • Apenas um concorrente contata fornecedores para obter informação sobre preços antes de apresentar a sua proposta; e
  • Características inesperadas de propostas públicas num leilão, seja eletrônico ou não – tais como licitações que incluem números pouco usuais onde seria de se esperar números redondos de centenas ou de milhares – podem indicar que os licitantes estão a utilizar as próprias propostas como veículo de conluio, comunicando informações ou indicando preferências.

4. Indícios nas Declarações: nas relações com os fornecedores é necessário estar atento a declarações suspeitas que sugiram que as empresas chegaram um acordo ou coordenam os seus preços e práticas de venda, tais como:

  • Referências escritas ou faladas a acordos entre concorrentes;
  • Declarações em que os concorrentes justificam os seus preços olhando para “preços sugeridos pelo setor”, “preços padrão do mercado” ou “tabelas de preços do setor”;
  • Declarações que indiquem que certas empresas não fornecem numa zona em particular ou a determinados clientes;
  • Declarações que indiquem que uma área ou cliente “pertence” a outro fornecedor;
  • Declarações que indiquem o conhecimento dos preços dos outros concorrentes, ou de detalhes das propostas, ou a antecipação do sucesso ou não de uma empresa num processo de contratação para o qual ainda não foram publicados os resultados;
  • Declarações que indiquem que o fornecedor apresentou uma proposta de cobertura, de cortesia, complementar, figurativa, simbólica ou fictícia;
  • Utilização da mesma terminologia por diversos fornecedores para explicar o aumento dos preços;
  • Manifestação de questionamentos ou preocupações quanto à exigência de Declarações de Independência de Propostas, ou indicações de que, apesar de assinados (ou mesmo entregues sem assinatura), estes não são levados a sério; e
  • Carta de apresentação da proposta na qual o concorrente se recusa a cumprir algumas condições do edital ou se refere a discussões, provavelmente no âmbito de uma associação de classe.

5. Indícios de Comportamentos Suspeitos: as entidades adjudicantes devem atentar para comentários sobre reuniões ou eventos nos quais os fornecedores possam ter a oportunidade para discutir preços, ou comportamentos que sugiram que uma empresa está a tomar determinadas medidas que só beneficiam outras empresas. As formas de comportamento suspeito podem incluir as seguintes:

  • Os fornecedores reúnem-se em privado antes da apresentação das propostas, por vezes na proximidade do local onde as propostas serão apresentadas;
  • Os fornecedores encontram-se socialmente com frequência ou parecem manter reuniões regulares;
  • Uma empresa solicita os documentos do processo de contratação (edital, anuncio, anexos) para si e para outro concorrente;
  • Uma empresa entrega a sua própria proposta e respectivos documentos acompanhado de outro concorrente;
  • Uma determinada empresa apresenta proposta mesmo sendo incapaz de concluir com sucesso o contrato;
  • Uma empresa traz mais do que uma proposta para o ato público de abertura de propostas e escolhe aquela que vai apresentar depois de perceber (ou tentar perceber) quem são os outros concorrentes; e
  • Diversos concorrentes fazem perguntas semelhantes à entidade adjudicante ou apresentam pedidos ou elementos semelhantes.

Tais indícios da existência de conluio identificam numerosos padrões suspeitos de propostas e estabelecimento de preços, bem como declarações e comportamentos suspeitos. Entretanto, tais indícios não devem ser considerados como prova de que as empresas estão a empreender um cartel. Por exemplo, uma empresa pode não concorrer em uma determinada licitação ou concurso por estar demasiado ocupada para conseguir executar o trabalho. As propostas elevadas podem simplesmente refletir uma avaliação diferente do custo de um projeto.

Contudo, quando forem detectados padrões suspeitos nas propostas ou na determinação dos preços, ou quando os funcionários ouvirem comentários estranhos ou notarem comportamentos peculiares, deve ser levada a cabo uma investigação sobre a possibilidade de conluio. Um padrão regular de comportamentos suspeitos durante um determinado período de tempo constitui indicador de possível conluio melhor do que indícios presentes em um único processo de contratação. Será útil manter cuidadosamente todas as informações para que possa ser estabelecido, com o tempo, um padrão de comportamento.

Recomendações para Redução do Conluio entre Licitantes

As Diretrizes para Combater o Conluio entre Concorrentes em Contratações Públicas da OCDE, desde sua publicação em 2009, já indicavam os passos que os órgãos públicos deveriam tomar para promover a concorrência efetiva na contratação pública e reduzir o risco de propostas concertadas.

Os responsáveis pela contratação pública deveriam considerar a adoção das seguintes medidas, todas explicitadas no relatório:

  • Obter informação antes de estruturar a contratação pública ou o edital;
  • Estruturar a contratação pública de forma a maximizar a participação potencial de candidatos que genuinamente concorram entre si;
  • Definir claramente os requisitos e evitar a previsibilidade;
  • Elaborar o processo de contratação de forma a reduzir eficazmente a comunicação entre concorrentes;
  • Selecionar cuidadosamente os critérios de avaliação e adjudicação das propostas; e
  • Aumentar a consciência dos funcionários públicos quanto aos riscos de conluio entre concorrentes.

Na revisão de 2023, a Recomendação da OCDE incorpora boas práticas recentes e reflete os avanços significativos no combate ao conluio entre concorrentes em contratações públicas. Ela exorta os países a combaterem as práticas colusivas, promovendo a concorrência e dificultando esquemas colusivos.

Para este fim, os países devem incentivar suas autoridades a:

  1. Entender as características gerais do mercado em questão, em cooperação com os reguladores setoriais;
  2. Realizar pesquisas de mercado adequadas, antes do início dos procedimentos de contratação pública, principalmente no caso de contratos de alto risco, impacto ou valor, que: a) identifiquem opções de oferta que se adéquem às necessidades de compra e aos possíveis ofertantes, incluindo em outras regiões ou mercados internacionais, bem como fatores de mercado e custos importantes para a elaboração da contratação pública e referência das propostas recebidas; e b) sejam consideradas no desenvolvimento de estratégias de contratação pública que favoreçam a concorrência em cada novo certame;
  3. Promover a concorrência através da ampliação de abertura para a participação de potenciais concorrentes: a) definindo requisitos de participação claros e não discriminatórios, que não impeçam concorrentes idôneos sem motivos razoáveis, não favoreçam incumbentes ou dificultem, sem necessidade, a participação de novos ofertantes; b) delineando, ao máximo, as especificações dos produtos licitados e os termos de referência, com foco em uma atuação funcional, especificamente voltada para o objetivo a ser alcançado e não para os meios para tal, de modo a atrair o maior número de participantes possível, incluindo fornecedores de substitutos – o que dificulta a implementação de esquemas de conluio, pois reduz a previsibilidade de soluções de fornecimento; c) permitindo, quando cabível, a participação de concorrentes estrangeiros e/ou de outras regiões do país; e d) considerando, conquanto possa fomentar a concorrência e atrair mais participantes, agregar itens em contratos mais extensos ou, alternativamente, permitindo, através da alocação de lotes, que empresas de pequeno e médio porte participem do certame, ainda que não possam apresentar propostas referentes a todas as contratações de bens e serviços;
  4. Avaliar se modelos de acordos, compras centralizadas, propostas conjuntas e subcontratações podem oferecer riscos de colusão – atendando, por exemplo, a Recomendação sobre Compras Públicas da OCDE (OECD/LEGAL/0411);
  5. Delinear o processo de contratação pública de forma a prevenir a identificação dos concorrentes entre si, bem como as oportunidades de encontro, comunicação e troca de informações;
  6. Reavaliar periodicamente os níveis de concorrência em contratações públicas anteriores para o planejamento de futuros certames;
  7. Definir regras de contratações públicas com critérios de seleção e de classificação que aumentem a intensidade e efetividade da concorrência durante o certame e garantam que um número suficiente de potenciais concorrentes permaneça no mercado;
  8. Garantir que as informações sobre processo de contratação pública sejam claras e que, sempre que possível, haja uma padronização dos termos gerais do contrato;
  9. Utilizar sistemas eletrônicos de contratação pública para todos os estágios possíveis do processo, desde a publicação do edital até a submissão de propostas, documentação referente às propostas, à assinatura de contratos, pagamentos, entrega e recebimento dos produtos ou serviços e encerramento de contrato. Tais sistemas são acessíveis a grupos maiores de concorrentes, são mais baratos e reduzem o risco de colusão;
  10. Armazenar amplas e confiáveis bases de dados de contratações públicas, as quais: a) sejam consistentes para todas as autoridades contratantes; b) incluam todos os estágios do processo como base para a criação de contratações públicas pró-competitivas e voltadas para a aplicação do direito da concorrência; c) forneçam informações sobre propostas (bem e malsucedidas), contratos (incluindo aditivos e subcontratações) e variáveis-chave (como identificadores de empresas) que facilitem a detecção de possíveis conluios na contratação pública; e d) estejam acessíveis para agentes de compras públicas e autoridades competentes, incluindo autoridades concorrenciais;
  11. Garantir que a entrega do contrato corresponda a seus termos e que as condições para a renegociação dos contratos sejam pré-determinadas, claras e específicas;
  12. Requerer que todos os participantes assinem um atestado como certificação da independência das propostas, de sua legitimidade e caráter não colusivo, e de que são realizadas na intenção de aceitar os termos do contrato, no caso de propostas vencedoras; e
  13. Incluir no convite à contratação pública advertência quanto às sanções aplicáveis nos casos de conluios em contratações públicas, a exemplo de multas, prisão e outras penalidades previstas no direito concorrencial, proibição de participação em contratações públicas por período determinado, sanções específicas referentes a atestado inverídico de que a proposta é genuína e não colusiva, e responsabilização por prejuízos causados à autoridade contratante.

Ademais, a Recomendação prevê que os países estejam empenhados na detecção de conluio entre concorrentes em contratações públicas e na aplicação do direito concorrencial, certificando-se de que as partes interessadas estejam atentas aos sinais, comportamentos suspeitos e padrões incomuns nas propostas que possam indicar colusão.

Neste propósito, os países devem encorajar autoridades concorrenciais a:

  1. Firmar parcerias com autoridades de compras públicas e outras autoridades relevantes, como de auditoria e combate à corrupção, e Ministério Público, em favor da conscientização sobre fraudes e conluio perante as autoridades, e sobre indícios de conluio para servidores e quaisquer outros indivíduos envolvidos nos trâmites dos processos que possam facilitar ou viabilizar a outorga de fundos públicos;
  2. Fornecer ou dar suporte às autoridades para que ofereçam treinamento aos oficiais, auditores e investigadores, em todos os níveis do governo, assim como a promotores e juízes, sobre técnicas de identificação de comportamentos suspeitos e padrões incomuns na realização das propostas, os quais podem ser indicativos de colusão;
  3. Estabelecer relação contínua com autoridades de compras públicas de tal forma que, em casos de falha nos mecanismos de proteção dos fundos públicos contra conluios, aquelas autoridades reportem a suspeita de colusão às autoridades concorrenciais (para além de qualquer outra autoridade competente) e confiem que as autoridades concorrenciais prestarão auxílio nas investigações e processos contra condutas anticompetitivas e, ainda, que o representante não será exposto à retaliação;
  4. Promover a concorrência junto a possíveis fornecedores e agentes do comércio e da indústria, alertando-lhes sobre a existência dos riscos de conluio em contratações públicas, sanções, programas de leniência e ferramentas de denúncia, e buscar seu engajamento na prevenção e detecção efetiva de conluios em contratações públicas, eventualmente, inclusive, através de iniciativas de compliance concorrencial. Tal iniciativa poderá incluir treinamento e diretrizes; e
  5. Considerar o desenvolvimento de ferramentas de triagem de dados de compras públicas como auxílio na detecção de cartéis em contratações públicas.

A norma ainda recomenda que países busquem limitar os riscos de conluio entre concorrentes em contratações públicas e avaliar suas próprias regulamentações e práticas de contratações públicas, de maneira que não favoreçam, inadvertidamente, a colusão.

Nesse sentido, eles devem:

  1. Estabelecer regras ou diretrizes sobre a transparência nos processos de contratações públicas, bem como condições e prazos de divulgação das informações;
  2. Dar preferência a contratações públicas competitivas e limitar exceções aos casos de necessidade, justificáveis e previstos em lei;
  3. Envolver autoridades concorrenciais nas reformas das leis de compras públicas e conceder-lhes papel consultivo para garantir uma perspectiva concorrencial na elaboração de contratações públicas de larga escala e de modelos de contratações públicas padrão;
  4. Considerar incentivos adequados para que agentes de compras públicas previnam e detectem cartéis em contratações públicas, tal qual a inclusão explícita de prevenção e detecção de cartéis nas obrigações e treinamentos dos agentes e recompensa pela detecção de prática anticoncorrencial durante a avaliação da atuação dos profissionais de compras públicas;
  5. Encorajar a cooperação formal e informal entre autoridades concorrenciais e outras autoridades relevantes como agentes de compras públicas, de auditoria e anticorrupção, e promotores públicos, inclusive através do desenvolvimento de políticas comuns, da troca de informações, coordenação e assistência durante seus respectivos mandatos no contexto da contratação pública.

Os países devem, também, estipular sanções e reparações por conluio em contratações públicas. Nesse sentido, devem:

  1. Prever sanções suficientemente dissuasivas para cartéis em contratações públicas, considerando as políticas de leniência aplicáveis;
  2. Considerar a proibição de participação, tanto em contratações públicas futuras quanto nas que estiverem em andamento, de empresas e de indivíduos que tenham se envolvido na prática de cartéis em contratações públicas, tendo os países o poder de avaliar se o impedimento dessa participação configuraria significativa redução no ambiente concorrencial, considerando a exclusão dos indivíduos em todos os casos;
  3. Manter um registro central das proibições de participação em contratações públicas;
  4. Isentar da proibição de participação em contratações públicas ou reduzir o período de tal proibição aos primeiros candidatos bem-sucedidos à celebração de acordos de leniência;
  5. Considerar isentar de ações de indenização por danos os primeiros candidatos bem-sucedidos à celebração de acordos de leniência;
  6. Garantir que qualquer um que haja sofrido prejuízo pela prática de cartéis em contratações públicas, incluindo a autoridade contratante, possa buscar reparação ou compensação por parte dos indivíduos ou entidades responsáveis; e
  7. Estipular procedimentos efetivos para lidar com recursos de participantes em relação às decisões tomadas nas contratações públicas.

Algumas dessas recomendações já foram atendidas pelo Brasil na Lei de Licitação e Contratos Administrativos (Lei n. 14.133/21), Lei de Anticorrupção Empresarial (Lei n. 12.846/13), na criação de portais de transparência dos entres públicos licitantes (ainda em aprimoramento, dada a necessidade de contínua reafirmação do valor do Princípio da Transparência) e bases de dados empresas sancionadas, tais como o Banco de Sanções mantido pela CGU (3).

O cotejo dessas recomendações internacionais com a legislação brasileira deve ser objeto de postagem posterior.

Notas

  1. https://investigacaofinanceira.com.br/artigos/;
  1. Toda a legislação da OCDE citada nesta postagem está disponível em: https://web-archive.oecd.org/temp/2024-06-29/67241-fightingbidrigginginpublicprocurement.htm. O Brasil está em processo de adesão à OCDE https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/colegiados/ocde/processo-de-acessao-brasil-ocde/historico-do-brasil-na-ocde;
  2. Disponível em https://bancodesancoes.cgu.gov.br;

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