“Sempre siga o dinheiro. Inevitavelmente, ele vai levar a uma porta com painéis de carvalho e atrás dela estará Mr. Big”. A expressão é de Clive Borrell e Brian Cashinella no livro Crime in Britain Today de 1975.
No ano seguinte, ela ficou mundialmente famosa através do filme Todos os Homens do Presidente (All The President’s Men) em linha de diálogo dita pelo informante do caso Watergate, Garganta Profunda (1).
Em 2002, no 9º episódio da primeira temporada de A Escuta (The Wire), premiada série policial da HBO, o detetive Lester Freamon diz: “Você segue as drogas e encontra viciados e traficantes. Mas se você começa a seguir o dinheiro, não sabe onde diabos isso vai te levar” (2).
Em todos os casos, o sentido é o mesmo.
Os investigadores devem seguir o rastro financeiro deixado pelo dinheiro se quiserem chegar ao topo da cadeia de comando do esquema criminoso. O dinheiro não mente: se o investigador quiser descobrir quem cometeu o crime, ele deve buscar quem dele se favoreceu.
Cui bono.
A afirmação parece prosaica, mas comporta complicações práticas para as quais os investigadores nunca estão suficientemente preparados.
O dinheiro insiste em desaparecer das vistas com irritante frequência.
Às vezes isso acontece porque o criminoso é esperto demais, afinal estamos falando de profissionais do crime; mas, em muitas outras, a trilha esfria porque o caçador não consegue reconhecer os rastros e se perde nos labirintos de papel dos mercados financeiros.
É sobre esses rastros que esse blog pretende tratar.
Investigação Financeira
Os assuntos das postagens seguintes pincelam a metodologia empregada na Investigação Financeira, aplicável à atividade de persecução estatal de crimes que geram produto e proveito.
A característica marcante dessa categoria de delito é a incessante atualização dos meios empregados pelos criminosos na consecução de seus lucros, daí porque também se tratará de casos nacionais e internacionais em que os dados financeiros guiaram os investigadores até Mr. Big.
Para a Financial Action Task Force (FATF), no relatório Operational Issues Financial Investigations Guidance (2012) (3), a Investigação Financeira se detém sobre assuntos financeiros relacionados à conduta ilícita, intentando identificar e documentar, para fins de prova, o movimento de dinheiro durante o curso da atividade criminal. A relação entre a origem dos recursos e seus beneficiários, quando o dinheiro é recebido e onde está investido ou depositado, tudo pode providenciar informações e provas sobre a atividade criminosa.
A Investigação Financeira possui o objetivo de:
- Identificar os produtos e proveitos do crime, rastreando ativos e iniciando o confisco cautelar através de sequestros ou indisponibilidades;
- Iniciar uma investigação sobre lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo; e
- Descortinar a estrutura econômica e financeira da organização criminosa investigada, romper redes de contatos transnacionais e acumular conhecimento sobre eventuais parceiros da empreitada.
Muitos são os assuntos inter-relacionados à Investigação Financeira.
Além de metodologias tradicionais de investigação, emergem questões relativas à compreensão do funcionamento do mercado financeiro, do criptomercado, fenômenos da criminalidade organizada (especialmente macro-corrupção e cibercrime), paraísos fiscais, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Some-se a isso o domínio sobre a validade da prova obtida por técnicas especiais de investigação, preservação da cadeia de custódia, provas digitais com a expansão dos mercados financeiros digitais, confisco e sequestro penais, cooperação jurídica internacional e, mais recentemente, a preocupação com a proteção de dados no âmbito da investigação criminal.
Não é demérito para o investigador perder o rastro do dinheiro nesse intrincado mundo novo.
Existem especialistas em cada um desses assuntos, mas poucos suficientemente versados em todos eles que estejam em posição estatal capaz de seguir o dinheiro.
Se fosse fácil percorrer os labirintos do dinheiro, o crime não compensaria e desnecessário seria esse blog.
Essa, todavia, não é a realidade.
Os temas das postagens vão ser abordados com o aprofundamento que esse tipo de mídia digital (blog) comporta e com a clareza possível. Para cada postagem, há longa e profunda literatura.
Essa escolha de como abordar os temas faz com que esse não seja um blog de “influencer jurídico”.
Não dá pra ser tal tipo de coisa e investigador ao mesmo tempo.
Este é um trabalho difícil e solitário, mas pode ser intelectualmente desafiador e muito divertido – porque, afinal, às vezes você pega o bandido.
Espero que vocês gostem do conteúdo.
Se quiserem trocar uma ideia, entrem em contato.
Abraço a todos e sejam bem-vindos.
Tiago Martins
(1) Trecho disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QodGxD19_as.
(2) Trecho disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VKfgrWdMCOA.
(3) Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/reports/Operational%20Issues_Financial%20investigations%20Guidance.pdf.
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