Regulação de Criptoativos no Brasil – Parte III – Lei n. 14.478/22

Na postagem anterior sobre o criptomercado, destaquei que ele era dinâmico o bastante para que, em poucos meses, este blog tenha voltado ao assunto diversas vezes. Pois bem, essa é a quinta delas.

Nas quatro postagens anteriores, o mercado de criptoativos foi abordado em seu aspecto geral de funcionamento (1),sob o aspecto regulatório (2), sob o enfoque de algumas mudanças anunciadas a partir da análise da Comissão de Valores Mobiliário sobre as provas da Operação Kryptos do MPF (3) e sob os entendimentos consolidados da CVM no Parecer de Orientação n. 40 sobre os investimentos em criptoativos como valores mobiliários (4).

Agora, finalmente temos uma Lei do Mercado de Criptoativos, completando lacuna importante no framework normativo sobre a matéria no Brasil.

Em postagem anterior (2), anotei que o Congresso Nacional possuía projetos de lei sobre a regulação de criptoativos – tais como o PL nº 3.825/2019, PL nº 3.949/2019 e PL nº 4.207/2020 no Senado Federal e PL nº 2.303/2015 e PL nº 2.060/2019 na Câmara dos Deputados – sem que nenhum tivesse sido aprovado até a data da publicação daquela postagem (14/09/2022). A tentativa regulação mais adiantada consistia no PL 4401/2021, do Deputado Aureo Ribeiro.

Pois bem, justamente o PL 4401/2021 acabou sendo aprovado pelo Congresso Nacional, sancionado ontem pelo Presidente da República e publicado hoje, 22 de dezembro de 2022, como a Lei n. 14.478, que entrou em vigor após 180 dias (art. 14).

Poucos dias antes do fim da vacatio legis, o Poder Executivo editou o Decreto n. 11.563, de 13 de junho de 2023, colmatando as lacunas que lhe foram delegadas pela legislação.

Seguem as primeiras impressões sobre a legislação.

Ativos Virtuais

A Lei n. 14.478/22 dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais – nome adotado pela legislação para os criptoativos – e na regulamentação das prestadoras de tais serviços.

A nova lei brasileira considera ativo virtual: “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento” (art. 3º).

O mesmo dispositivo determina que não são ativos virtuais:

  • A moeda nacional (o Real, art. 1º, Lei n. 9.069/95) e as demais moedas estrangeiras, tais como euro, dólar etc. Interessante notar que a conformação que o BACEN deu ao Real Digital, espécie de moeda digital de banco central (Central Bank Digital Currency, CBDC) que possui o mesmo lastro da moeda fiduciária, também a afastaria do conceito de ativo virtual aqui tratado (6);
  • A moeda eletrônica, definida na Lei nº 12.865/13 como recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento (art. 6º, inciso VI), tais como operações com cartões de crédito e débito, cartões pré-pagos e transações via telefone celular etc. Tais transações são intermediadas por instituições de pagamento, integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro e do mercado de crédito do Sistema Financeiro Nacional, supervisionadas pelo BACEN e reguladas pelo Conselho Monetário Nacional, como exploramos em outra postagem desse blog (5);
  • Instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e
  • Representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros. Essa norma é complementada pelo parágrafo único do art. 1º da Lei n. 14.478/22, que exclui da nova lei de criptoativos os ativos representativos de valores mobiliários (Lei nº 6.385/76), não alterando nenhuma competência da CVM. Ou seja, o que foi dito neste blog sobre o Parecer de Orientação n. 40 da CVM (4) permanece inteiramente válido. Quanto aos ativos financeiros, eles constituem bens ou direitos que uma empresa ou pessoa possui e que podem gerar rendimentos, tais como ações, dinheiro, títulos públicos, fundos de investimento, certificados de depósito bancário etc (7). Quando da análise do tipo penal do art. 171-A, CP, voltaremos a esse assunto dos ativos financeiros.

A definição de ativos virtuais dada pelo art. 3º da Lei n. 14.478/22 não é mesma adotada pela CVM no Parecer de Orientação n. 40/22, analisado em postagem anterior desse blog (4). Lá, a CVM adotou o seguinte conceito de criptoativos: ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (distributed ledger technologies, DLTs). Usualmente, os criptoativos (ou a sua propriedade) são representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis.

Os criptoativos costumam ser designados como tokens e podem desempenhar diversas funções. A CVM adota a abordagem funcional para enquadramento dos tokens em taxonomia que servirá para indicar o seu tratamento jurídico:

  1. Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): busca replicar as funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor;
  1. Token de Utilidade (utility token): utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e
  1. Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. São exemplos os security tokens, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de tokenização.

Dessa classificação adotada pela CVM, apenas os itens i e iii podem desempenhar “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento” (art. 3º, Lei n. 14.478/22). São esses aqueles tokens que pode, pela nova lei, serem considerados ativos virtuais.

Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais – PSAVs

São Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais – PSAVs as pessoas jurídicas que executam, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais (art. 5º). São as empresas atualmente designadas de corretoras ou exchanges, tratadas por esse blog em (1).

São serviços de ativos virtuais definidos na nova legislação:

  • A troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira;
  • A troca entre um ou mais ativos virtuais;
  • A transferência de ativos virtuais;
  • A custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais – tais como as chaves privadas de correntistas; ou
  • A participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.

O BACEN (Decreto n. 11.563/23) poderá autorizar a realização de outros serviços que estejam, direta ou indiretamente, relacionados à atividade da prestadora de serviços de ativos virtuais.

A Lei n. 14.478/22 submete os PSAVs a importantes leis nacionais ao estabelecer que sua atividade deve observar as seguintes diretrizes, especificadas em ato do órgão federal (art. 4º):

  • A livre iniciativa e livre concorrência;
  • Boas práticas de governança, transparência nas operações e abordagem baseada em riscos. Esta última, abre espaço para a tendência internacional de regulação defendida pelo FATF/GAFI, da qual tratamos em outra postagem desse blog (2);
  • Segurança da informação e proteção de dados pessoais, remetendo às normas da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018);
  • Proteção e defesa de consumidores e usuários. A norma é complementada pelo art. 13 da nova lei, ao expressamente estabelecer que as operações conduzidas no mercado de ativos virtuais estarão submetidas, no que couber, ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90);
  • Proteção à poupança popular, cujo bem jurídico-penal é protegido pelos tipos da Lei n. 1.521/51, adiante referida;
  • Solidez e eficiência das operações; e
  • Prevenção à lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98) e ao financiamento do terrorismo (Lei n. 13.260/16) e da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais.

Regulador Federal: BACEN

A Lei n. 14.478/22 disse que competiria a órgão ou entidade da Administração Pública federal, definido em ato futuro do Poder Executivo, estabelecer quais serão os ativos financeiros regulados. Esse mesmo órgão deteria o poder de previamente autorizar a funcionar no Brasil as PSAVs, além de estabelecer as hipóteses em que a autorização poderá ser concedida em procedimento simplificado.

O art. 6º previa que ato do Poder Executivo atribuiria a um ou mais órgãos ou entidades da Administração Pública federal a disciplina do funcionamento e a supervisão dos PSAVs. Desde a aprovação de lei, notícias da imprensa davam conta de que o BACEN assumiria essa atribuição (8), inclusive divulgando que pretendia enrijecer as regras quanto a pontos não tratado na lei, como a segregação patrimonial (9).

Havia algumas pistas nesse sentido na própria Lei n. 14.478/22. O art. 8º previa que as instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais ou cumulá-lo com outras atividades, na forma da regulamentação a ser editada por órgão ou entidade da Administração Pública federal indicada em ato do Poder Executivo federal.

Ademais, competia ao órgão ou à entidade reguladora indicada em ato do Poder Executivo Federal (art. 7º):

  • Autorizar funcionamento, transferência de controle, fusão, cisão e incorporação de PSAVs;
  • Estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em PSAVs e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração;
  • Supervisionar as PSAVs e aplicar as disposições da Lei nº 13.506/2017, em caso de descumprimento da Lei n. 14.478/22 ou de sua regulamentação. Curiosa a referência à aplicação às PSAVs dos dispositivos da Lei nº 13.506/2017, que trata sobre o processo administrativo sancionador do BACEN e da CVM;
  • Cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações das PSAVs; e
  • Dispor sobre as hipóteses em que os serviços de ativos virtuais do art. 5º serão incluídos no mercado de câmbio ou em que deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País. O mercado de câmbio, como se tratou aqui (10), também está sob atribuição do BACEN.

Após a sua entrada em vigor (180 dias após 22/12/22), a Lei n. 14.478/22 ainda previa um subsequente prazo para que as PSAVs se ajustassem à regulamentação. Esse prazo será definido pelo órgão federal a ser designado, mas não será inferior a seis meses (art. 9º).

Como se suspeitava, o Decreto n. 11.563/23 estabeleceu que competia ao Banco Central do Brasil: regular a prestação de serviços de ativos virtuais, observadas as diretrizes da Lei; regular, autorizar e supervisionar as prestadoras de serviços de ativos virtuais; e deliberar sobre as demais hipóteses estabelecidas na Lei nº 14.478/22, salvo as normas incluídas na lei de Lavagem de Dinheiro (art. 12-A, Lei nº 9.613/98).

Para fins do disposto no art. 6º da Lei nº 14.478/22, o BACEN disciplinará o funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais e será responsável pela supervisão das referidas prestadoras.

Novo Tipo Penal (art. 171-A, Código Penal) e Crimes Contra o SFN

O art. 10 da Lei n. 14.478/22 introduz no Código Penal o art. 171-A, nova forma de estelionato: “Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”.

Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Por meio de fraude, o agente obtém vantagem ilícita sobre outrem, ao organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais (tal como definidos na Lei n. 14.478/22), valores mobiliários (definidos na Lei n. 6.385/76) e qualquer ativo financeiro.

Como se adiantou, ativos financeiros constituem bens ou direitos que uma empresa ou pessoa possui e que podem gerar rendimentos, tais como ações, dinheiro, títulos públicos, fundos de investimento, certificados de depósito bancário etc (7). De acordo com o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF) do BACEN (11), são ativos financeiros:

  • Dinheiro;
  • Instrumento de capital próprio de outra entidade;
  • Direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade, ou trocar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente favoráveis à própria entidade; e
  • Contrato a ser ou que possa ser liquidado com instrumento de capital próprio da entidade e que seja instrumento financeiro não-derivativo para o qual a entidade esteja ou possa estar obrigada a receber um número variável de instrumentos de capital próprio da entidade; ou instrumento financeiro derivativo a ser ou que possa ser liquidado por outra forma que não pela troca de um valor fixo em dinheiro ou outro ativo financeiro por um número fixo de instrumento de capital próprio da entidade.

No tipo penal do novo art. 171-A, o bem jurídico é o patrimônio da vítima determinada, pois crime inserido no Título II do Código Penal, Dos Crimes contra o Patrimônio.

Assim, a Lei n. 14.478/22, ao criar o art. 171-A para o Código Penal, não revogou o crime contra a economia popular previsto no art. 2º, IX da Lei n. 1.521/51, normalmente associado às pirâmides financeiras. Aqui o bem jurídico é a economia popular, não o patrimônio de uma pessoa específica.

Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes e as contravenções contra a economia popular, Esta Lei regulará o seu julgamento.

Art. 2º. São crimes desta natureza:

IX – obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes);

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.

A correlação entre os dois tipos penais foi tratada em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR E ESTELIONATO. NE BIS IN IDEM. AVERIGUAÇÃO DO CASO CONCRETO. AGENCIAMENTO PARTICULARIZADO DE VÍTIMAS. FRAUDE CONTRA O PATRIMÔNIO DE VÍTIMA DETERMINADA. ESTELIONATO. IDENTIFICAÇÃO GENÉRICA DE PARTICULARES LESADOS, SEM INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA QUE ATINGIU CADA UMA DAS VÍTIMAS INDIVIDUALMENTE. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. CONCURSO DE CRIMES. POSSIBILIDADE. ABSORÇÃO. AÇÃO PENAL PARCIALMENTE TRANCADA. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO EM PARTE.

1. Configura crime contra a economia popular “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘cadeias’, ‘pichardismo’ e quaisquer outros equivalentes)”, nos termos do art. 2º, IX, da Lei 1.521/1951.

2. Já o crime de estelionato (art. 171, caput, do CP) é dirigido contra o patrimônio individual.

3. Como regra, a pirâmide financeira ou a criação de site na internet sob o falso pretexto de investimento em criptomoedas subsume ao delito do art. 2º, IX, da Lei 1.521/1951.

4. Assim, narrados casos de prejuízos genéricos por infinidade de usuários, sem verificação de conduta transcendente, mas mera cooptação pelo site eletrônico, ainda que possível identificar algumas vítimas, verifica-se apenas o crime contra a economia popular. Porém, havendo o aliciamento particularizado, mediante induzimento e convencimento, de vítimas determinadas, através de emissários dos agentes criminosos principais, torna-se possível falar, em tese, em concurso de crimes entre o delito contra a economia popular e o estelionato. Isto porque, paralelamente ao ato voltado contra o público em geral (sítio eletrônico para angariar vítimas), verificam-se condutas autônomas de aliciadores voltadas contra o patrimônio particular de vítimas específicas, cuja adesão ao site (instrumento para a fraude) se revela apenas como exaurimento do estelionato.

5. Recurso em habeas corpus parcialmente provido para determinar o trancamento do feito em relação a alguns delitos de estelionato cometidos contra vítimas que não tiveram as fraudes devidamente particularizadas na denúncia, mantidos os demais termos da denúncia pelos crimes de estelionato remanescentes, associação criminosa e infração contra a economia popular.

(RHC n. 161.635/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 30/8/2022.)

Além do mais, nenhum desses dois crimes se confunde com aqueles tipos penais que possuem o objetivo resguardar o bem jurídico da integridade do Sistema Financeiro Nacional, previstos no Lei nº 7.492/86.

A coexistência desses tipos penais se impõe, nessa primeira leitura, e parece se acomodar com as normas da própria Lei n. 14.478/22, que em seu art. 11 modifica o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.492/86 para dele fazer constar o seguinte:

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

I-A – a pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia;

II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.

Com isso, os PSAVs passam a ser instituições financeiras por equiparação e se submetem a todos os crimes contra o SFN da Lei nº 7.492/86. Nesse sentido, aliás, a atuação do MPF na operação Kryptos, tratada nesse blog em (3).

Novas Normas Antilavagem

Reconhecendo a crescente tendência mundial no uso de criptoativos para a lavagem de dinheiro, o art. 12 da Lei n. 14.478/22 também alterou dispositivos da Lei Antilavagem de Capitais.

A causa de aumento de pena do art. 1º, §4º da Lei n. 9.613/98 passou a ter a seguinte redação:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:

I – os converte em ativos lícitos;

II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:

I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;

II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.

§ 4º A pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual.

O art. 9º da Lei Antilavagem foi alterado para sujeitar os PSAVs às obrigações previstas nos arts. 10 e 11 da mesma lei.

As obrigações impostas pelo art. 10 são, principalmente, relacionadas ao dever de conhecer o seu cliente (KYC) e as transações financeiras por eles realizadas (KYT):

  • Identificar seus clientes e manter cadastro atualizado, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes. Na hipótese de o cliente ser pessoa jurídica, a identificação deverá abranger as pessoas físicas autorizadas a representá-la, bem como seus proprietários (§ 1º) – a ideia é evitar o uso do véu corporativo das empresa para ocultar o beneficiário final (12). Os dados devem ser conservados por, no mínimo, cinco anos a partir do encerramento da conta ou da conclusão da transação(§ 2º).
  • Manter registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ativos virtuais (inserido pela Lei n. 14.478/22), ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente. Os dados devem ser conservados por, no mínimo, cinco anos a partir do encerramento da conta ou da conclusão da transação(§ 2º). Ademais, o registro das transações será efetuado também quando a pessoa física ou jurídica, seus entes ligados, houver realizado, em um mesmo mês-calendário, operações com uma mesma pessoa, conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite fixado pela autoridade competente (§ 3º).
  • Adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, na forma disciplinada pelos órgãos competentes;
  • Cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), na forma e condições por eles estabelecidas;
  • Atender às requisições formuladas pelo COAF na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas.

As obrigações previstas no art. 11 são relacionadas ao dever de comunicação de operações financeiras suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF):

  • Dispensar especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios de lavagem de capitais. As autoridades competentes elaborarão relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista (§ 1º).
  • Comunicar ao COAF, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 horas, a proposta ou realização de todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; e das operações referidas no inciso I do art. 11;
  • Comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao COAF, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas.

Dois outros dispositivos já constantes da Lei Antilavagem, que não foram alterados pela Lei n. 14.478/22, possuem interesse para as investigações financeiras que envolvam criptoativos, especialmente no momento do dilema da conversão de criptoativos em moeda fiduciária.

Em primeiro lugar, o art. 10-A que cria o Cadastro de Clientes do SFN – CCS, por meio do qual o BACEN mantém o registro centralizado do cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores.

Em segundo lugar, o art. 11-A prevê que as transferências internacionais e os saques em espécie deverão ser previamente comunicados à instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco Central do Brasil.

Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente – CNPEP

Por fim, a Lei n. 14.478/22 alterou a Lei Antilavagem para nela incluir o art. 12-A, dispondo sobre a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP), disponibilizado pelo Portal da Transparência.

A partir de sua vigência, os órgãos e as entidades de quaisquer Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deverão encaminhar ao gestor CNPEP, na forma e na periodicidade definidas em regulamento, informações atualizadas sobre seus integrantes ou ex-integrantes classificados como pessoas expostas politicamente (PEPs) na legislação e regulação vigentes. O órgão gestor do CNPEP indicará em transparência ativa, pela internet, órgãos e entidades que deixem de cumprir a obrigação.

As pessoas referidas obrigadas pelo Sistema Antilavagem incluirão consulta ao CNPEP entre seus procedimentos para cumprimento das obrigações previstas nos arts. 10 e 11 da Lei Antilavagem, sem prejuízo de outras diligências exigidas na forma da legislação. § 3º

  1. https://investigacaofinanceira.com.br/mercados-financieros-vi-criptoativos/;
  2. https://investigacaofinanceira.com.br/regulacao-de-criptoativos-no-brasil/;
  3. https://investigacaofinanceira.com.br/operacao-kryptos-impacto-regulatorio-no-criptomercado/;
  4. https://investigacaofinanceira.com.br/regulacao-de-criptoativos-no-brasil-parte-ii/;
  5. https://investigacaofinanceira.com.br/mercados-financeiros-ii-credito/;
  6. https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/real_digital;
  7. https://www.dicionariofinanceiro.com/ativos-financeiros/;
  8. https://cointelegraph.com.br/news/cryptocurrency-regulation-in-brazil;
  9. https://cointelegraph.com.br/news/central-bank-intends-to-impose-asset-segregation-in-the-next-stage-of-cryptocurrency-regulation-in-brazil;
  10. https://investigacaofinanceira.com.br/mercados-financeiros-iii-cambio/;
  11. https://www3.bcb.gov.br/aplica/cosif/manual/09021771869a1c45.htm;
  12. https://investigacaofinanceira.com.br/submundo-dos-mercados-financeiros-ii-empresas-de-fachada/;

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!