Propostas para Recuperação de Ativos no Ministério Público Brasileiro

Essa postagem continua as reflexões apresentadas anteriormente neste site (1) (2) (3) (4) e em artigos acadêmicos (5) sobre a Recuperação de Ativos, compilando propostas de boas práticas presenciadas na atuação diária como membro do Ministério Público Federal.

De certa forma, este texto apresenta propostas desejosas sobre os caminhos da Recuperação de Ativos nos vários ramos do Ministério Público brasileiro, sem fazer considerações a respeito da conveniência administrativa das chefias de cada órgãos – embora a premência do tema me pareça inadiável em cenário de fortalecimento das organizações criminosas.

Várias dessas iniciativas já reverberaram em instâncias administrativas do Ministério Público e do Conselho Nacional do Ministério Público. Algumas das propostas foram geradas no interior de grupos de trabalho ativos ou encerrados. Sempre que isso ocorrer, as fontes são citadas.

Dez Anos de Recuperação de Ativos no MPF

A Recuperação de Ativos está sob escrutínio dos órgãos de coordenação do Ministério Público Federal desde 2014, quando foi constituído um Grupo de Trabalho Intercameral “Medidas Cautelares Reais” das 2ª e 5ª Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF.

O resultado desse trabalho foi a elaboração do Roteiro de Atuação Persecução Patrimonial e Administração de Bens, compilando e sistematizando a experiência existente sobre a persecução patrimonial no MPF e lançado em 2017 (6).

O Roteiro de Atuação se detém sobre os efeitos econômicos do crime e conceito de persecução patrimonial criminal (Cap. II) e cível (Cap. VI), no Brasil e no exterior (Cap. VII), ao tempo em que sugere uma metodologia para investigação patrimonial (Cap. III) e explora as principais tipologias de blindagem patrimonial (Cap. IV). O documento ainda se aprofunda nos mecanismos de sequestro e indisponibilidade cíveis (Cap. VI) e criminais (Cap. V) e se detém sobre as medidas de administração de grande sorte de bens passíveis de apreensão judicial (Cap. VIII).

Posteriormente, o CNMP expediu a Resolução n. 181/2017, com capítulo voltado exclusivamente para a persecução patrimonial em Procedimento Investigatório Criminal:

CAPÍTULO IV – DA PERSECUÇÃO PATRIMONIAL

Art. 14. A persecução patrimonial voltada à localização de qualquer benefício derivado ou obtido, direta ou indiretamente, da infração penal, ou de bens ou valores lícitos equivalentes, com vistas à propositura de medidas cautelares reais, confisco definitivo e identificação do beneficiário econômico final da conduta, será realizada em anexo autônomo do procedimento investigatório criminal.

§ 1º Proposta a ação penal, a instrução do procedimento tratado no caput poderá prosseguir até que ultimadas as diligências de persecução patrimonial.

§ 2° Caso a investigação sobre a materialidade e autoria da infração penal já esteja concluída, sem que tenha sido iniciada a investigação tratada neste capítulo, procedimento investigatório específico poderá ser instaurado com o objetivo principal de realizar a persecução patrimonial.


Para contemplar o confisco alargado, a Resolução n. 289, de 16 de abril de 2024, inseriu o seguinte dispositivo com redação praticamente idêntica:

Art. 14-A. A persecução patrimonial dirigida à indicação dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do investigado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito, com vistas à decretação do confisco alargado, será realizada em anexo autônomo do procedimento investigatório criminal e, salvo legislação específica, compreenderá bens de titularidade do investigado, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, e aqueles transferidos a terceiros a título gratuito, mediante contraprestação irrisória ou, ainda, dolosamente e com culpa grave.

§1º A instrução do procedimento tratado no caput poderá prosseguir até que ultimadas as diligências de persecução patrimonial para detalhamento da indicação lançada na ação penal.

§ 2º A investigação mencionada no caput poderá ser instaurada inclusive após o oferecimento da ação penal, para detalhamento dos bens sujeitos a confisco alargado.

A mesma resolução de 2024 inseriu artigo sobre limitada pesquisa patrimonial para aferir a “capacidade econômica do investigado” com vistas a arbitrar o ressarcimento da vítima no ANPP (art. 18-A, § 4º, inciso VI). Outro artigo modificado (art. 19, § 2º) determina que, em caso de arquivamento, “os bens apreendidos, vinculados a inquéritos policiais, a procedimento investigatório criminal ou de quaisquer elementos informativos de natureza criminal que tenham sido arquivados devem ter a destinação prevista em lei”.

No âmbito do MPF, as ferramentas tecnológicas que permitem maior aprofundamento em rastreio patrimonial também sofreram evolução considerável.

Nesse sentido, as novas funcionalidades agregadas ao Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias – SIMBA para abranger todos os mercados financeiros, inclusive criptoativos, e a Sistemática de Investigação Fiscal – SIFISCO, que padronizou os pedidos de afastamento de sigilo fiscal em torno de documentos importantes para a investigação patrimonial.

No âmbito das fontes abertas nacionais e internacionais se verificou maior profissionalização dos servidores do MPF, com vistas a localização de pessoas, rastreamento patrimonial e identificação de vínculos. É exemplo desse esforço de sistematização a nova versão do sistema Radar, que congrega de forma mais amigável as bases de dados à disposição do MPF e permitiu salto de qualidade no quesito de rastreio patrimonial.

Com a mesma preocupação de explorar o potencial de fontes abertas para pesquisa, inclusive patrimonial, foram elaborados o Catálogo de Fontes Abertas pela Unidade Descentralizada da SPPEA/PGR no Pará (2019) e o Catálogo de Serviços da SPPEA, lançado no início de 2022.

A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal criou o Grupo de Trabalho sobre Criptoativos em outubro de 2021 e lançou o Roteiro de Atuação sobre Persecução Patrimonial com Criptoativos em maio de 2023 (7), em complemento ao Roteiro de Persecução Patrimonial e Administração de Bens de 2017.

O crescente afluxo de casos envolvendo criptoativos noticiados no Brasil motivou a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão a converter o grupo de trabalho em Grupo de Apoio, em 19 de dezembro de 2023, visando oferecer auxílio especializado aos procuradores naturais.

Com o intuito de fomentar a discussão acadêmica sobre o tema, o MPF lançou em 2019 a coletânea de artigos Temas processuais, prova e persecução patrimonial (8) e, em 2024, a coletânea Investigação com Criptoativos (9).

Tendo participado em grande parte dessas iniciativas no âmbito do MPF, compartilho a seguir propostas de aprimoramento dessa atividade de Recuperação de Ativos nos anos vindouros.

Proposta 1: Unidades de Pesquisa Patrimonial

A Câmara Criminal do MPF elegeu como prioritário o tema da Persecução Patrimonial para o biênio 2022-2023, recebendo, entre outras, a seguinte proposta dos Procuradores da República atuantes no tema: especialização para busca em fontes abertas de patrimônio de investigados, com vistas a operacionalização das diversas formas de confisco, inclusive o confisco alargado (art. 91-A, CP).

A preocupação com o confisco alargado decorre da particularidade de que, para o emprego do instituto, necessita-se demonstrar a diferença patrimonial do investigado no momento da denúncia. A mesma agilidade na pesquisa patrimonial de agentes também perpassa os procedimentos para celebração de Acordos de Não Persecução e Audiências de Custódia.

Em 2017, o Roteiro não tratou de importantes assuntos em matéria de persecução patrimonial que surgiram nos anos seguintes. Não há, por exemplo, informações sobre a conformação dada pela legislação brasileira ao confisco alargado (art. 91-A, CP) e nem se desenhou uma investigação patrimonial sumarizada para instrumentalizar os feitos patrimoniais do Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A, CPP), ambos os institutos inseridos na legislação pela Lei n. 13.964/19. O mesmo vácuo metodológico vale para investigação patrimonial para o Acordo de Não Persecução Cível.

A pesquisa patrimonial se inicia e se desenvolve, principalmente, com acesso a bancos de dados que possuam registro de ativos. Esse esforço de sistematização de fontes abertas não está refletido no Roteiro de Atuação de 2017 porque é fruto de amadurecimento recente em trabalhos de open-source intelligence (OSINT).

A criação dessas unidades de pesquisa patrimonial é a medida ponderada em face da constante modificação de repositórios de dados sobre ativos, impossíveis de serem catalogados em um documento estático. Qualquer documento que pretendesse assim proceder, já nasceria desatualizado.

A constituição dessas unidades de recuperação de ativos nos ramos do Ministério Público brasileiro está em discussão em grupo de trabalho no Conselho Nacional do Ministério Público.

A criação de unidades de recuperação de ativos nas polícias judiciárias constitui a Ação 1 do Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça sobre Recuperação de Ativos, como tratado em postagem anterior (4).

Proposta 2: Sistematização Metodológica

A Câmara Criminal do MPF elegeu como prioritário o tema da Persecução Patrimonial para o biênio 2022-2023, recebendo, entre outras, a seguinte proposta dos Procuradores da República atuantes no tema: criação de um portal estruturando voltado para investigação patrimonial.

Algumas propostas no âmbito do MPF, ainda sem definição, procuraram congregar metodologias investigativas em apoio aos Procuradores da República, contendo subsídios sobre técnicas especiais de investigação (cenário motivador, origem do ciclo investigativo, planejamento da investigação patrimonial etc) e orientações sobre providências investigativas, além de disponibilizar um banco de tipologias de ilícitos.

A iniciativa foi adotada pelo Ministério da Justiça para o site da Rede Nacional de Recuperação de Ativos – RECUPERA. Como se disse em postagem anterior (4), o fomento à recuperação de ativos impõe disponibilizar conteúdo com informações, modelos, estudos, ferramentas e contatos, relacionados ao tema para os agentes públicos diretamente envolvidos na sua execução e, na sua vertente pública, produzir e disponibilizar informações sobre o tema à sociedade em geral.

Proposta 3: Atualização e Ampliação do Roteiro de Atuação

A Câmara Criminal do MPF elegeu como prioritário o tema da Persecução Patrimonial para o biênio 2022-2023, recebendo, entre outras, a seguinte proposta dos Procuradores da República atuantes no tema: atualização e ampliação do Roteiro de Atuação Persecução Patrimonial e Administração de Bens.

A metodologia de investigação patrimonial exposta no Roteiro de Atuação de 2017 permanece válida, porque baseada em boas práticas internacionalmente aplicadas, mas é natural que as fontes abertas lá indicadas tenham se modificado desde então, ante a dinamicidade do assunto que se intersecciona com ferramentas tecnológicas à disposição dos investigadores.

Essa proposta foi acatada pelas 2ª e 5ª Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF e novo Grupo de Trabalho Intercameral será constituído ainda em 2024 para atualização e ampliação do Roteiro de Atuação.

Proposta 4: Estruturação de Dados Financeiros e Fiscais

O MPF deu um salto de qualidade ao redesenhar o Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias – SIMBA para abranger todos os mercados financeiros, inclusive criptoativos.

Parte desses dados chegam ao sistema de forma estruturada, em formato ideal para a realização de investigações financeiras que produzem grande quantidade de dados. Todavia, parte dos dados financeiros ainda são remetidos ao sistema em formato não estruturado.

Assim, para aprimoramento da Recuperação de Ativos, necessário dois movimentos:

  • Desenvolvimento de filtros que destaquem, no interior dos dados estruturados recebidos pelo SIMBA, dados financeiros relacionados com patrimônio, tais como pagamentos de boletos, pagamentos de serviços públicos, despesas de cartão de crédito etc;
  • Progressiva estruturação dos demais dados financeiros;

O mesmo problema ocorre na Sistemática de Investigação Fiscal – SIFISCO, que padronizou os pedidos de afastamento de sigilo fiscal em torno de documentos importantes para a investigação patrimonial. Esses dados são remetidos pelos órgãos fazendários ao MPF em formato não estruturado, demandando grande esforço para extração dos dados fiscais que indicam patrimônio.

Aqui o movimento também deve ser no sentido da progressiva estruturação dos dados fiscais.

Proposta 5: Sistemas do Poder Judiciário

O Poder Judiciário possui sistemas informáticos de implementação das ordens de sequestro / indisponibilidades e gestão de bens apreendidos.

O Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário – SISBAJUD possui a funcionalidade de bloqueio de valores custodiados por instituições financeiras integrantes do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), tais como bancos comerciais, bancos múltiplos, caixas econômicas, bancos de investimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento (financeiras), cooperativas de crédito e instituições de pagamento.

Esse sistema possui problemas crônicos de efetividade relacionados ao formato adotado para os ativos bloqueáveis – em postagem posterior deste site, esse tema poderá ser abordado. Tais lacunas precisam se estudadas e sugestões de colmatação podem ser sugeridas pelo Ministério Público ao CNJ.

Recentemente, o CNJ anunciou que está trabalhando na criação de um sistema que será capaz de bloquear qualquer ativo digital de brasileiros mantidos em corretoras de criptomoedas. A ferramenta ganhou o nome de CRIPTOJUD e será similar ao SISBAJUD. É importante acompanhar o desenvolvimento dessa ferramenta na medida em que, pela similaridade, ele pode herdar os mesmos problemas de inefetividade do SISBAJUD.

Ademais, existem sistemas de sequestro e/ou indisponibilidade de outros bens que igualmente obedecem à sistemática de comunicação eletrônica da ordem judicial. Nesse sentido, citem-se o sistema de Restrições Judiciais sobre Veículos Automotores – RENAJUD, também mantido pelo CNJ; e a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, instituída na forma do Provimento da Corregedoria Geral de Justiça do CNJ pelo Provimento n. 39/2014 e operado pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP).

Destinando-se aos mesmos fins – sequestro e/ou indisponibilidade de bens –, mostra-se conveniente que os sistemas fossem integrados, facilitando a transmissão das ordens e dando mais efetividade às medidas judiciais, eliminando o lapso tempo que se leva para o preenchimento de todos os sistemas. Se, com apenas um comando eletrônico, todos os sistemas fossem sensibilizados, praticamente estaria eliminada a possibilidade de dissipação patrimonial.

Os sistemas de bloqueio de bens do Poder Judiciário ainda precisam ser integrados ao Sistema Nacional de Gestão de Bens do Conselho Nacional de Justiça.

Como ferramenta de pesquisa patrimonial, o CNJ lançou, no âmbito do Programa Justiça 4.0, o Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (SNIPER). O Ministério Público tem bastante experiências nessa seara e possui um sistema muito mais eficiente (Radar) que pode auxiliar o Poder Judiciário no aprimoramento da sua própria ferramenta.

Por fim, mostra-se relevante que sejam ultimadas as negociações para acesso institucional do MPF, por meio de webservice, ao sistema da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC e ao maior número possível de sistemas eletrônicos dos cartórios.

Proposta 6: CIRA Federal

Essa proposta foi elaborada pelo Grupo de Apoio sobre Lavagem de Dinheiro, Crimes Fiscais e Investigação Financeira e Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e se encontra em tramitação na Procuradoria-Geral da República.

Em suma, ela busca criar no âmbito federal estrutura análoga aos comitês interinstitucionais de recuperação de ativos já existentes nos Estados da Federação. A análise das vantagens e desvantagens desse modelo já foi realizada em postagem desse site (2).

No modelo pensando, o CIRA Federal seria composto por Ministério Público Federal, Receita Federal do Brasil, Procuradoria da Fazenda Nacional e Polícia Federal, com objetivo de realizar ações e dar efetividade à recuperação de ativos tributários de titularidade da União, respeitadas as atribuições constitucionais das partes.

O CIRA Federal tem por finalidade:

  • Propor medidas judiciais e administrativas por meio dos órgãos e das instituições subscritores;
  • Fomentar atividades de capacitação e sensibilização dos membros das carreiras partícipes;
  • Realizar estudos e propor formato de funcionamento do CIRA Federal, almejando a participação de outras entidades;
  • Contribuir para a identificação e apuração dos grandes devedores federais, de fraudes fiscais estruturadas e de grande potencial lesivo, dos crimes de lavagem de dinheiro e de ocultação de bens;
  • Planejar ações conjuntas, preventivas ou repressivas, que visem à defesa da ordem econômica e tributária da União e a garantia cautelar do resguardo do seu patrimônio; e
  • Encaminhar ações que resultem na responsabilização administrativa, civil e criminal dos envolvidos, buscando a identificação da materialidade e da autoria.

Proposta 7: Bloqueio Administrativo de Ativos

Fluxos financeiros ilícitos sustentam a grande maioria das atividades criminosas transnacionais graves. Grupos criminosos são capazes de explorar as fraquezas da cooperação internacional, legislação doméstica e tecnologia online para ocultar e facilitar fluxos financeiros ilícitos. Eles fazem isso, ainda, por meio de transferências internacionais, mulas de dinheiro, empresas de fachada, operações com criptoativos e outras formas de lavagem de dinheiro.

A escala e complexidade do problema tornam desafiador para as agências de aplicação da lei interromper o fluxo de fundos, processar os infratores e recuperar ativos criminosos. A possibilidade de bloqueio administrativo de ativos representa uma das formas mais efetivas de recuperação de ativos envolvido em lavagem de dinheiro.

Nesse sentido, o Protocolo de Resposta Rápida à Lavagem de Dinheiro (Anti-Money Laundering Rapid Response Protocol, ARRP) desenvolvido pela Interpol e empregado em casos pilotos pelo mundo. O protocolo promete uma nova metodologia de atuação para os países enviarem e tratarem solicitações para rastrear, interceptar ou congelar provisoriamente os produtos ilegais do crime. A analogia usada pela Interpol é com a agilidade da metodologia de preservação de provas eletrônicas contida na Convenção de Budapeste e no seu 2º Protocolo Adicional.

O Protocolo é operacionalizado pelo INTERPOL Financial Crime and Anti-Corruption Centre – IFCACC e endossado pela Financial Action Task Force – FATF.

Ele foi apresentado em duas ocasiões conhecidas:

a) no Americas Regional Forum on cooperation on cybercrime and electronic evidence, do Conselho da Europa, realizado na Costa Rica em setembro de 2022, do qual participaram membros do Ministério Público Federal; e

b) em encontro realizado em Cingapura, também em setembro de 2022, ao qual compareceram representantes do COAF, Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Advocacia-Geral da União.

Todavia, não há no Brasil atualmente dispositivo normativo que possibilite o bloqueio administrativo de valores (sem necessidade de prévia ordem judicial), o retardamento ou a suspensão da realização da operação financeira, quando as próprias instituições financeiras identificam indícios de lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo.

Para tanto, convém uma aproximação institucional com o INTERPOL Financial Crime and Anti-Corruption Centre – IFCACC com o objetivo de entender os detalhes do Protocolo e aferir sua compatibilidade com as normas nacionais. Outra iniciativa é realizar contato com as autoridades do COAF, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Advocacia-Geral da União que participaram da reunião em Cingapura com o objetivo de aferir se há tratativa para o Brasil integrar o projeto-piloto do mecanismo global de suspensão de pagamentos da Interpol.

Proposta 8: Colaboração com a RECUPERA e Participação no CONARA

O Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça sobre Recuperação de Ativos (4) desenhou a criação da Rede Nacional de Recuperação de Ativos – RECUPERA, com caráter operacional e de identificação de problemas, tipologias e melhores práticas; e o Conselho Nacional de Políticas sobre Recuperação de Ativos – CONARA, com competência para discutir e aprovar o Plano Nacional de Políticas sobre Recuperação de Ativos, receber as demandas da RECUPERA e articular com outros órgãos públicos nesta temática, inclusive com os Comitês Interinstitucionais de Recuperação de Ativos dos Estados.

A RECUPERA foi instituída pela Portaria MJSP n. 533, de 11 de dezembro de 2023, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O art. 3º, § 3º, prevê que poderão ser convidados a participar das ações da RECUPERA, na qualidade de colaboradores, os órgãos e entidades públicas que demonstrem relação entre a sua atividade-fim e a recuperação de ativos. Obviamente, o Ministério Público brasileiro, dadas as suas atribuições constitucionais, possui total interesse em cooperar com a RECUPERA.

De igual modo, compete a RECUPERA (art. 5º) promover a articulação com órgãos do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público, bem como com entidades públicas e privadas que disponham de informação relevante para a recuperação de ativos.

O Decreto n. 11.842, de 21 de dezembro 2023, instituiu o CONARA, órgão consultivo, de caráter permanente, integrante do Sistema de Justiça.

O CONARA é composto por (art. 3º) por diversas autoridades, mas poderão participar do conselho, mediante deliberação do Plenário e a convite do Presidente, sem direito a voto, representantes de outros órgãos e entidades que atuem na matéria (tais como o Ministério Público) e personalidades e entidades com notória atuação na área.

Ademais, ao CONARA compete (art. 2º) identificar e difundir boas práticas sobre recuperação de ativos no âmbito do Poder Executivo, do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos.

Proposta 9: Interlocução com Redes Internacionais de Recuperação de Ativos

Não só a RECUPERA merece aproximação do Ministério Público brasileiro. Diversas entidades internacionais se dedicam à Recuperação de Ativos e representam oportunidade de troca de experiências.

Como exemplo, pode-se citar:

  • Stolen Asset Recovery Initiative – STAR;
  • Rede de Recuperação de Ativos do Grupo de Ação Financeira da América Latina (GAFILAT) – RRAG;
  • European Union Agency for Criminal Justice Cooperation – EUROJUST;
  • INTERPOL – Anti-corruption and asset recovery;
  • Camden Asset Recovery Interagency Network – CARIN;

O MPF está em processo de adesão à EUROJUST desde 2023 (10).

Proposta 10: Programa Continuado de Aperfeiçoamento

Um programa continuado de aperfeiçoamento de autoridades do Ministério Público em investigação financeira e patrimonial procura espelhar a Ação 10 do Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça.

Em nossa visão, essas capacitações devem abordar:

  • Etapas da Recuperação de Ativos;
  • Institutos nacionais no âmbito criminal, cível, administrativo e negocial;
  • Metodologia e ferramentas de investigação patrimonial;
  • Sistemas e boas práticas de implementação de ordens de sequestro ou indisponibilidade;
  • Casuística de gestão de bens.

Notas

  1. https://investigacaofinanceira.com.br/siga-o-dinheiro/;
  2. https://investigacaofinanceira.com.br/investigacao-financeira-ii-recuperacao-de-ativos/;
  3. https://investigacaofinanceira.com.br/recuperacao-de-ativos-alienacao-antecipada-e-administracao-de-bens/;
  4. https://investigacaofinanceira.com.br/a-politica-publica-de-recuperacao-de-ativos-no-brasil/;
  5. https://investigacaofinanceira.com.br/artigos/;
  6. Brasil. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Roteiro de atuação: persecução patrimonial e administração de bens / 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, Criminal e 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, Combate à corrupção. – Brasília : MPF, 2017. 295 p. – (Série roteiros de atuação, 9). Disponível em: <<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/roteiro-atuacoes> e <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/publicacoes/roteiros-de-atuacao>.
  7. https://investigacaofinanceira.com.br/regulacao-de-criptoativos-no-brasil-parte-v-roteiro-de-atuacao-do-mpf/;
  8. Brasil. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Temas processuais, prova e persecução patrimonial / coordenação e organização, 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, Wellington Cabral Saraiva – Brasília : MPF, 2019. Disponível em: https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/coletaneas-de-artigos/coletanea-de-artigos-temas-processuais-prova-e-persecucao-patrimonial;
  9. https://investigacaofinanceira.com.br/investigacao-com-criptoativos-coletanea/;
  10. https://www.conjur.com.br/2023-mar-07/brasil-integrar-agencia-europeia-cooperacao-judicial/;

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