O CIRA Federal, enfim

Quando primeiro se tratou sobre Recuperação de Ativos nesse site (1), em novembro de 2022, analisou-se o sucesso do modelo de Comitê lnterinstitucional de Recuperação de Ativos – CIRA no combate à fraude fiscal estruturada, normalmente associada com organizações criminosas e com práticas de lavagem de dinheiro.

Naquela ocasião, apresentou-se o formato dos CIRAs existentes enquanto órgãos colegiados estaduais, compostos, normalmente, por Ministério Público Estadual, Secretaria da Fazenda Estadual, Polícia Civil e Procuradoria do Estado.

Também se apresentaram problemas vislumbrados para o funcionamento dos CIRAs estaduais, especialmente a transversalidade dos crimes tributários, que não raramente envolvia tributos federais e estaduais; e a internacionalidade da blindagem patrimonial. Em ambos os casos, haveria a possibilidade de deslocamento da competência para investigar, processar e julgar os fatos para a esfera federal. Então, ressentia-se da inexistência de estrutura semelhante, em organização e efetividade, em nível federal, aos CIRAs estaduais.

Para colmatar esta lacuna e após reunião interinstitucional entre a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Câmara Criminal) e Receita Federal do Brasil, em 14 de junho de 2022, o Grupo de Apoio sobre Lavagem de Dinheiro, Crimes Fiscais e Investigação Financeira e Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional – GALD formulou, por volta de outubro de 2022, proposta de criação de CIRA Federal e a encaminhou à consideração da Procuradoria-Geral da República.

Recentemente, em outra postagem sobre propostas concretas para aprimorar a Recuperação de Ativos no âmbito do MPF, mais uma vez, esse site se deteve sobre a necessidade inadiável de criação do CIRA Federal (2).

Após dois anos de negociações e trâmite interno entre os órgãos, em 15 de outubro de 2024, todas as partes assinaram o instrumento que criou, no âmbito federal, o Comitê lnterinstitucional de Recuperação de Ativos (3).

Enfim, temos o CIRA Federal.

Formato, Participantes e Objetivos

O formato adotado para a criação do CIRA Federal foi o Acordo de Cooperação Técnica – ACT, celebrando na forma da Lei n° 14.133/2021 (Lei de Licitação e Contratos, art. 75, inciso XI), tal como ocorre em alguns órgãos congêneres nos estados federados.

Celebraram o acordo o Ministério Público Federal, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Polícia Federal. A vigência do ACT se iniciou na data de sua última assinatura (15 de outubro de 2024) e tem vigência por cinco anos, podendo ser prorrogado, alterado ou rescindido pela vontade dos signatários, mediante termo aditivo ou termo rescisório.

O ACT não envolve a transferência de recursos financeiros entre os subscritores, de modo que eventuais despesas com a execução das atividades do CIRA Federal correrão à conta da dotação orçamentária de cada partícipe.

O objeto do ACT é a criação do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos no âmbito das atribuições federais (CIRA Federal), mediante a conjugação de esforços para realizar ações e dar efetividade à recuperação de ativos tributários de titularidade da União (constituídos pela RFB e por constituir), respeitadas as atribuições constitucionais das partes.

O compartilhamento de dados sigilosos entre os órgãos que compõem o CIRA FEDERAL obedecerá às normais legais existentes e, caso aplicável, à Lei Geral de Proteção de Dados, além de ser precedido, quando a legislação assim o exigir, de autorização judicial.

O CIRA Federal atua por meio de Grupo Operacional, composto por:

  • Procuradores da República, indicados pela 2ª CCR do MPF e designados pelo PGR;
  • Auditores da Receita Federal do Brasil, designados pelo Secretário da Receita Federal;
  • Procuradores da Fazenda Nacional, designados pela PGFN; e
  • Delegados de Polícia Federal, designados pelo Diretor-Geral da Polícia Federal.

O Grupo Operacional realizará reuniões ordinárias mensais, sem prejuízo da realização de reuniões extraordinárias quando solicitadas por um dos órgãos que o integra.

Para distribuir as suas atividades por todo o território nacional, o Grupo Operacional poderá dividir sua atuação por departamentos para cada região fiscal do Brasil. Assim, órgãos regionais do CIRA Federal podem ser constituídos nas seguintes circunscrições: 1ª Região Fiscal (DF, GO, MS, MT e TO), 2ª Região Fiscal (AC, AM, AP, PA, RO e RR), 3ª Região Fiscal (CE, MA e PI), 4ª Região Fiscal (AL, PB, PE e RN), 5ª Região Fiscal (BA e SE), 6ª Região Fiscal (MG), 7ª Região Fiscal (ES e RJ), 8ª Região Fiscal (SP), 9ª Região Fiscal (PR e SC) e 10ª Região Fiscal (RS).

O Grupo Operacional elaborará o seu regimento interno, constando os critérios para seleção de casos a serem trabalhados no âmbito do CIRA Federal, o fluxograma de atuação de cada um dos órgãos e os parâmetros para celebração de acordos no âmbito de suas atribuições.

Compete ao Grupo Operacional selecionar e priorizar as ações a serem executadas no âmbito do CIRA Federal. Tais deliberações do Grupo Operacional deverão ser tomadas por unanimidade, com direito a um voto por instituição subscritora.

Para operacionalizar a recuperação de ativos tributários de titularidade da União (constituídos pela RFB e por constituir), o Grupo Operacional do CIRA Federal se organizará para:

  • Propor medidas judiciais e administrativas por meio dos órgãos e das instituições subscritores;
  • Fomentar atividades de capacitação e sensibilização dos membros das carreiras partícipes;
  • Realizar estudos e propor formato de funcionamento do CIRA Federal;
  • Contribuir para a identificação e apuração dos grandes devedores federais que tenham cometido fraudes de significativo potencial lesivo, bem como aqueles que de qualquer forma tenham concorrido para a ocultação de bens;
  • Planejar ações conjuntas, preventivas ou repressivas, que visem à defesa da ordem econômica e tributária da União e a garantia cautelar do resguardo do seu patrimônio; e
  • Encaminhar ações que resultem na responsabilização administrativa, civil e criminal dos envolvidos, buscando a identificação da materialidade e da autoria.

Das Atribuições dos Participantes

Todos os integrantes do CIRA Federal devem:

  • Repassar, resguardado o devido sigilo, as informações que chegarem ao seu conhecimento, seja por meio de processos judiciais ou outras vias, acerca da atuação de organizações criminosas envolvidas em crimes contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro e crimes conexos, bem como de grandes devedores contumazes;
  • Fornecer acesso a informações e banco de dados que possua aos integrantes do Grupo Operacional, como forma de auxílio às investigações, observado o sigilo fiscal (art. 198, CTN); e
  • Priorizar as ações relacionadas a grandes devedores, tais como a investigação criminal e a proposição e cumprimento de medidas cautelares reais, probatórias, de penhora e outras que se mostrarem necessárias.

Especificamente ao Ministério Público Federal, através da sua Câmara Criminal, compete: indicar Procuradores da República para atuar no Grupo Operacional; emprestar apoio logístico e operacional para expandir e intensificar as investigações desenvolvidas, inclusive por meio dos Grupos de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECOs); e praticar atos jurídicos e administrativos previstos em lei, por intermédio de medidas judiciais cabíveis relacionadas às investigações desenvolvidas, sob o acompanhamento dos demais integrantes do Grupo Operacional.

A RFB deve designar Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil para atuar no Grupo Operacional; emprestar apoio logístico às investigações desenvolvidas pelas partes; e conduzir os procedimentos fiscais e administrativos previstos em lei.

A PGFN se comprometeu a designar Procuradores da Fazenda Nacional para atuar nas atividades do Grupo Operacional; emprestar apoio logístico e jurídico para expandir e intensificar as investigações desenvolvidas; e praticar atos jurídicos e administrativos previstos em lei, por intermédio de medidas judiciais cabíveis relacionados às investigações desenvolvidas, sob o acompanhamento dos demais integrantes do Grupo Operacional.

Por fim, a Polícia Federal deve designar Delegados de Polícia Federal e outros policiais de seu quadro para atuar no Grupo Operacional; emprestar apoio logístico e operacional para expandir e intensificar as investigações criminais desenvolvidas; e praticar atos jurídicos e administrativos previstos em lei, por intermédio de medidas judiciais cabíveis relacionados às investigações criminais desenvolvidas, sob o acompanhamento dos demais integrantes do Grupo Operacional.

Notas

  1. https://investigacaofinanceira.com.br/investigacao-financeira-ii-recuperacao-de-ativos/;
  2. https://investigacaofinanceira.com.br/propostas-para-recuperacao-de-ativos-no-ministerio-publico-brasileiro/;
  3. https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2024/acordo-de-cooperacao-tecnica-cria-comite-interinstitucional-de-recuperacao-de-ativos-em-ambito-federal;

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