A Investigação Financeira é metodologia aplicável à atividade de persecução estatal de crimes que geram produto e proveito (1) e o investigador financeiro precisa de familiaridade com o locus por onde transitam a maior parte dos lucros dos crimes e estão depositados os principais dados que guiarão a atividade de persecução estatal: os mercados financeiros. Em postagem anterior, tratou-se da estrutura do Sistema Financeiro Nacional – SFN, o subsistema normativo de regulação e fiscalização e o subsistema operativo (2).
Começamos com o mercado de crédito (3) e agora passamos ao recém-remodelado mercado de câmbio.
Crédito e câmbio foram as primeiras funções dos bancos, a despeito de constituírem mercados financeiros diferentes. Se o mercado de crédito gira em torno da atividade de intermediação de crédito; o de câmbio, da negociação de moeda estrangeira (divisas).
As operações de câmbio mais comuns são aquelas realizadas pessoas que viajam para o exterior e adquirem a moeda do país estrangeiro, recebendo, por exemplo, dinheiro em espécie ou crédito em cartões pré-pagos. Também são corriqueiras as operações de câmbio para recebimento de dinheiro do exterior (capitais estrangeiros no Brasil) e remessa ao estrangeiro de quantias (capitais brasileiros no exterior). No comércio internacional, empresas que realizam transações comerciais com pessoas situadas em outros países se valerem de operações de câmbio para receberem o valor por seus produtos ou para pagar fornecedores.
Por muitos anos, o mercado de câmbio no Brasil foi disciplinado por legislação esparsa (Lei n. 4.131/62, Decreto n. 55.762/65, Lei n. 4.728/65 e Lei n. 11.371/06) e regulamentado por diversas resoluções do BACEN, sendo a mais abrangente delas a Resolução n. 3.568/2008. O cenário recebeu significativa mudança com o novo marco legal do mercado de câmbio brasileiro, a Lei n. 14.286, de 29 de dezembro de 2021, que entrará em vigor um ano após sua publicação. A lei dá tratamento sistemático ao mercado de câmbio no Brasil, compreendendo as operações de compra e de venda de moeda estrangeira, realizadas com instituições autorizadas pelo BACEN (art. 3º); o capital brasileiro no estrangeiro e o capital estrangeiro no Brasil (art. 8º a 10).
A nova Lei n. 14.286/21 dispõe que as operações no mercado de câmbio podem ser realizadas livremente, sem limitação de valor, observados a legislação (art. 2º). A taxa cobrada para a realização dessas operações deve ser livremente pactuada entre as instituições autorizadas a operar no mercado e entre estas e seus clientes.
Foram excluídas do mercado de câmbio do Sistema Financeiro Nacional, pelo art. 19 da Lei n. 14.286/21, as operações de compra ou venda de moeda estrangeira em espécie, no valor de até US$ 500,00 (ou seu equivalente em outras moedas), realizadas no País, de forma eventual e não profissional, entre pessoas físicas.
Ao BACEN foi conferida a atribuição de regulamentar as operações de câmbio e dispor sobre os tipos e as características de produtos, as formas, os limites, as taxas, os prazos e outras condições. Ainda, compete ao BACEN, disciplinar a constituição, o funcionamento e a supervisão de instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio, além de poder lhes aplicar as sanções do art. 20 da Lei n. 14.286/21, valendo-se o processo administrativo sancionador previsto na Lei n. 13.506/17.
Todas as instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio pelo BACEN devem se responsabilizar pela identificação e qualificação de seus clientes, além de assegurar o processamento lícito da operação (art. 4º), prevenindo a prática de atos ilícitos, incluídos a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. O BACEN emitirá regulamentação específica, mas a Lei n. 14.286/21 atribui, desde logo, a responsabilidade do cliente pela classificação da finalidade da operação de câmbio (§ 2º).
Capitais Internacionais
Sob essa denominação (capitais internacionais) reúnem-se o capital brasileiro no exterior e o capital estrangeiro no país.
São capitais brasileiros no exterior os valores, bens, direitos e ativos de qualquer natureza detidos fora do território nacional por pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no Brasil (art. 8º c/c art. 1º da Lei n. 14.286/21). Esses capitais devem ser obrigatoriamente declarados ao BACEN por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no país, que detenham, no exterior, ativos que totalizem: US$ 1.000.000,00 (ou equivalente em outras moedas), em 31 de dezembro de cada ano-base; e US$ 100.000.000,00 (ou equivalente em outras moedas), em 31 de março, 30 de junho e 30 de setembro de cada ano-base.
Capitais estrangeiros no Brasil, por outro lado, são os valores, bens, direitos e ativos de qualquer natureza detidos no território nacional por pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no exterior (não residente) (art. 8º c/c art. 1º da Lei n. 14.286/21). Ao capital estrangeiro no País será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições (art. 9º).
Os capitais estrangeiros no país precisam ser inseridos nos sistemas do BACEN que compõem o Registro Declaratório Eletrônico, especialmente quando representam: a) investimentos estrangeiros diretos em empresas residentes (investimento com intenção de longa permanência e aquisição fora dos mercados organizados de balcão e bolsas de valores); b) operações financeiras (crédito externo concedido a pessoas físicas ou jurídicas residentes, serviços de arrendamento mercantil operacional, aluguel e afretamento, e direitos sobre propriedade intelectual, royalties); e investimento estrangeiro em portifólio (mercados financeiro e de capitais, fundos de investimento e depositary receipts).
Em hipóteses excepcionais, considerada a natureza das operações, o BACEN pode estabelecer casos em que capitais de residentes, mantidos no território nacional em favor de não residentes, serão equiparados a capitais brasileiros no exterior; e casos em que capitais de não residentes, mantidos no exterior em favor de residentes, serão equiparados a capitais estrangeiros no País (art. 8º, parágrafo único).
Ao BACEN compete estabelecer os procedimentos para remessas referentes ao capital estrangeiro no País, observadas a legislação, a fundamentação econômica das operações e as condições usualmente observadas nos mercados internacionais (art. 10). O BACEN também regulamenta e monitora os capitais brasileiros no exterior e os capitais estrangeiros no País quanto a seus fluxos e estoques na chamado Censo de Capitais Estrangeiros no País, assim pode requisitar informações sobre os capitais brasileiros no exterior e os capitais estrangeiros no País.
Instituições do Mercado de Câmbio
São instituições autorizadas a funcionar no mercado de câmbio:
a) os bancos (exceto os bancos de desenvolvimento) e a Caixa Econômica Federal, em todas as operações de câmbio;
b) os bancos de desenvolvimento e financeiras, em operações específicas autorizadas pelo BACEN;
c) sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários (CTVM), sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVM) e sociedades corretoras de câmbio (Resolução CMN n. 5.009/22), em operações de câmbio com clientes para liquidação pronta de até US$100.000,00 ou o seu equivalente em outras moedas, e operações no mercado interbancário, arbitragens no País e, por meio de banco autorizado a operar no mercado de câmbio, arbitragem com o exterior. O art. 23 da Lei n. 14.286/21 inseriu o art. 9º-A na Lei n. 4.728/65, atualizando as atribuições do BACEN sobre as instituições autorizadas a funcionar no mercado de câmbio. Assim, complete-lhe disciplinar as condições de constituição e funcionamento das CTVMs, DTVMs e sociedades corretoras de câmbio, bem como lhes autorizar a constituição e o funcionamento e supervisionar suas atividades; e
c) agências de turismo, em compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheques e cheques de viagem relativos a viagens internacionais.
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