Investigação com Criptoativos – Coletânea

Nesse começo de ano estive ocupado escrevendo alguns artigos para publicação. Dois deles (REGULAÇÃO DE CRIPTOATIVOS E DADOS APROVEITÁVEIS EM INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS NO BRASIL e OPERAÇÃO KRYPTOS: LIÇÕES SOBRE INVESTIGAÇÃO DE CRIPTOATIVOS NO BRASIL) saíram nessa coletânea sobre Investigação com Criptoativos que tive a honra de coordenar para a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

O texto integral e o evento de lançamento podem ser conferidos no seguinte link: https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2024/mpf-reune-em-livro-conhecimento-cientifico-e-experiencia-de-investigadores-de-crimes-com-criptoativos

Abaixo, segue o texto de apresentação da obra, que aborda aspectos da investigação financeira:

Apresentação

Investigação é método técnico de coleta, análise e uso de dados, em atividade guiada pela formulação de hipóteses a partir de evidências, com vistas ao desvendamento de um problema. Os agentes de aplicação da lei somente conseguem investigar crimes cometidos no ambiente de fenômenos criminais que conhecem. Investigamos aquilo que conhecemos, pois não se consegue formular hipóteses sobre evidências estranhas à experiência.

Talvez mais importante do que novos instrumentos processuais e ferramentas tecnológicas, o passo inicial para enfrentar fenômenos criminais é entender seu funcionamento. Isso é especialmente verdadeiro para crimes cometidos no criptomercado, dadas as suas características próprias e revolucionárias em relação aos demais mercados financeiros com que os investigadores costumeiramente se deparam.

Investigar crimes cometidos com o emprego de criptoativos é tarefa que apresenta dificuldades tecnológicas, operacionais e legais, demandando especialização constante. Foi com esse propósito que a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal criou o Grupo de Trabalho sobre Criptoativos em outubro de 2021 e lançou o Roteiro de Atuação sobre Persecução Patrimonial com Criptoativos em maio de 20231, em complemento ao anterior Roteiro de Persecução Patrimonial e Administração de Bens2.

O crescente afluxo de casos envolvendo criptoativos noticiados no Brasil motivou a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão a converter o grupo de trabalho em Grupo de Apoio, em 19 de dezembro de 2023, visando oferecer auxílio especializado aos procuradores naturais.

A presente coletânea de artigos sobre aspectos jurídico-penais dos criptoativos foi pensada no curso desse processo de amadurecimento institucional do Ministério Público Federal.

O edital fez chamamento de público interno e externo ao MPF para contribuir com as discussões acadêmicas sobre o tema. Dos artigos submetidos, doze foram escolhidos para compor esta publicação, observando critérios de relevância institucional, consistência e rigor científicos, atualização temática e bibliográfica, além de contribuição para o campo de conhecimento. O resultado, como esperamos que o leitor logo descubra, representa importante contribuição para a discussão sobre os crimes cometidos no criptomercado, assunto ainda escasso de rigoroso escrutínio científico.

O primeiro artigo, denominado Regulação de Criptoativos e Dados Aproveitáveis em Investigações Criminais no Brasil, aproxima investigação com criptoativos e Investigação Financeira – da qual aquela parece ser espécie. Destaca-se como as tendências regulatórias (autorregulação, regulação estatal e standards internacionais) produzem dados financeiros que podem subsidiar investigações e reconstruir o caminho dos criptoativos utilizados em atividades criminais.

No artigo seguinte, Vladimir Aras aborda os aspectos penais da lei brasileira de criptoativos (Lei nº 14.478/2022), fazendo um amplo comentário sobre a recente legislação e seus impactos na Lei Antilavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98), além de tratar do novo crime do art. 171-A do Código Penal e os tipos estendidos de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional com emprego de criptoativos.

Ainda sobre a temática de regulação, Thiago da Cunha Brito discorre sobre os desafios do compliance para a efetiva prevenção à lavagem de dinheiro no mercado das empresas provedoras de serviços de ativos virtuais, destacando a realização de análise baseada em riscos para maior efetividade e proporcionalidade desses programas.

Eduardo Henrique Tensini enfoca a ascensão da negociação de criptografia por meio de tokens não fungíveis (non fungible tokens, NFTs) e, em segundo artigo, descreve o impacto dos criptoativos no financiamento de narcotráfico, abordando investigações realizadas nesse mercado criminal, tais como o caso Silk Road.

Ao tratar da regulação de criptoativos no Brasil em comparação com aquela adotada na União Europeia, Soraya Teshima identifica como esta produz reflexos para o enfrentamento da nova tendência de fluxo financeiro ilícito mediante o uso de criptoativos. Também em análise comparada, a regulação de criptoativos sob a perspectiva dos Departamento de Justiça dos Estados Unidos é abordada em artigo elaborado por Haislan Márcio Silva Lopes.

Thiago Augusto Bueno analisa os desafios envolvidos na decisão do governo de El Salvador em reconhecer o bitcoin como moeda legal. O artigo aborda o funcionamento e implicações da rede lightning, que permite a realização de transferências instantâneas com diminuto consumo de energia, criando uma segunda camada diferente da blockchain do bitcoin.

A importância da regulação nacional e internacional para prevenir e combater a utilização de criptoativos para a prática do crime de lavagem de dinheiro é tema do artigo elaborado por Meliza Alves Barbosa Pessoa. Nele, conceitos doutrinários tradicionais do crime de lavagem de dinheiro são reanalisados à luz do criptomercado.

Bibiana Cassol aborda dois temas caros aos esforços de persecução patrimonial, adaptando-os às investigações com criptoativos: medida cautelar real (sequestro penal) e administração de bens (alienação antecipada).

O penúltimo artigo procura extrair lições empíricas a partir da Operação Kryptos. Lá são abordados aspectos da atividade ministerial relacionados à Investigação Financeira, tipificação penal, administração de bens apreendidos e estudo continuado dos crimes cometidos no contexto de ofertas públicas de investimento em criptoativos.

No último artigo, Thais Paranhos Capistrano Pereira aponta para o futuro das discussões sobre investigações criminais ao abordar a interação entre o ambiente de criptoativos e a tecnologia da inteligência artificial. O leitor é introduzido nas discussões que estarão na vanguarda do combate ao crime nos anos vindouros.

Ao final da leitura desses textos, espera-se que os investigadores estejam mais bem preparados para entender o fenômeno criminal e enfrentar a nova criminalidade tecno-financeira que explora o criptomercado para obtenção de vultosos lucros ilícitos.

Tiago Misael de Jesus Martins

Procurador da República

Investigador de criptoativos certificado pela Chainalysis e pela TRM

1Disponível em https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/roteiro-atuacoes/criptoativos-persecucao-patrimonial.

2Publicado pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão em 2017 (http://hdl.handle.net/11549/111167).

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