A Política Pública de Recuperação de Ativos no Brasil

A Investigação Financeira é o assunto deste blog.

Desde o início (1), assentou-se que a acepção aqui utilizada para Investigação Financeira seria aquela elaborada pelo FATF/GAFI no relatório Operational Issues Financial Investigations Guidance (2012) (2).

Esse método de investigação se detém sobre assuntos financeiros relacionados à conduta ilícita, intentando identificar e documentar, para fins de prova, o movimento de dinheiro durante o curso da atividade criminal. A relação entre a origem dos recursos e seus beneficiários, quando o dinheiro é recebido e onde está investido ou depositado, tudo pode providenciar informações e provas sobre a atividade criminosa.

A Investigação Financeira possui o objetivo de:

  • Identificar os produtos e proveitos do crime, rastreando ativos e iniciando o confisco cautelar através de sequestros ou indisponibilidades;
  • Iniciar uma investigação sobre lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo; e
  • Descortinar a estrutura econômica e financeira da organização criminosa investigada, romper redes de contatos transnacionais e acumular conhecimento sobre eventuais parceiros da empreitada.

Tais objetivos são atividades estatais relacionadas à recuperação de ativos (1º item), à investigação de organização criminosa ou terrorista e os seus mecanismos de lavagem de dinheiro (2º item) e à obtenção de inteligência criminal (3º item).

Em postagem seguinte (3), datada de novembro de 2022, este blog tratou especificamente sobre a Recuperação de Ativos, revelando a agenda por trás desse termo, suas fases (investigação patrimonial, sequestro cautelar, administração de bens e confisco definitivo), as diferentes estratégias de recuperação de ativos (penal, cível, administrativa e negociada) e, por fim, destacando as iniciativas adotadas no assunto por Ministério Público Federal, Poder Judiciário e comitês interinstitucionais de recuperação de ativos.

Em uma terceira postagem, mais recente (4), em setembro de 2024, novas tendências da fase de administração de bens foram abordadas: alienação antecipada e administração provisória a cargo da SENAD.

Em todas as postagens, fica claro que existem iniciativas no campo da Recuperação de Ativos no Brasil, mas elas são adotadas isoladamente, dentro das atribuições de cada órgãos com alguma parcela de competência para atuar na matéria.

A despeito da qualidade dos trabalhos desenvolvidos, faltava no Brasil uma política pública, capitaneada pelo Poder Executivo, para que os órgãos policiais e administrativos atuassem concertadamente na matéria e extraíssem dos institutos jurídicos o maior proveito possível no processo de descapitalização das organizações criminosas.

Nos meses finais do ano de 2023 a situação se modificou e observamos o nascimento de uma verdadeira Política Pública de Recuperação de Ativos no Brasil.

Diagnóstico do Desafio

A certidão de nascimento da Política Pública de Recuperação de Ativos no Brasil foi a Portaria n. 400, de 13 de junho de 2023, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que instituiu Grupo de Trabalho para estudar, avaliar e apresentar proposta de Política Nacional de Recuperação de Ativos, com a indicação de diretrizes na matéria, de criação de uma rede nacional integrada e de estrutura voltada ao tema. Em novembro de 2023, o grupo de trabalho apresentou o relatório final com o diagnóstico do problema.

    O relatório inicia colocando o processo de recuperação de ativos no centro das atividades nacionais de segurança pública, ao reconhecer que ele atende a múltiplas finalidades:

    a) como instrumento de segurança pública, propicia o corte do fluxo financeiro de organizações criminosas e assim dificulta e/ou impede seu funcionamento;

    b) concretiza a finalidade preventiva da pena, ao impedir que indivíduos que tenham praticado uma conduta ilícita usufruam de seu proveito e de seu produto; e

    c) promove a recomposição do patrimônio às vítimas dos delitos, o que ganha especial importância em casos em que a vítima seja o próprio Estado.

    Apesar dessa relevância, as ações de recuperação de ativos vêm sendo implementadas individualmente pelos órgãos, incidindo somente em uma ou algumas etapas determinadas do processo. O mais perto que se chegou foram algumas ações no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA (5).

    Uma crítica pode ser feita ao modo como o processo de recuperação de ativos foi sistematizado pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça.

    Como se destacou na postagem anterior neste blog (3), as fases do processo de recuperação de ativos são: a) investigação patrimonial; b) sequestro ou indisponibilidade cautelar; c) administração de bens; e d) confisco definitivo.

    A despeito de não haver muita discordância sobre isso nos estudos sobre o processo de recuperação de ativos, o Grupo de Trabalho entendeu por não se referir à fase do confisco definitivo e por dividir a administração de bens em três fases distintas (administração, alienação e destinação).

    Graficamente, a divisão adotada pelo Ministério da Justiça ficou assim (6):


    A despeito da opção metodológica, parece claro que as etapas de administração, alienação e destinação – contidas no gráfico acima – estão inseridas no que costumeiramente se chama de administração de bens do processo de recuperação de ativos. Mormente porque as três fases podem ser desempenhadas pela SENAD.

    Iniciativas para Aprimoramento da Recuperação de Ativos no Brasil

    O relatório apresentado pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça em novembro de 2023 também elencou 11 Ações iniciais a serem desenvolvidas. Esse foi o primeiro rascunho da política pública de Recuperação de Ativos no Brasil e já representaram avanço significativo no âmbito dos órgãos policiais e administrativos.

    Ação 1: Criação de Unidades de Recuperação de Ativos nas Polícias Judiciárias

    A instalação de uma unidade de recuperação de ativos dentro das polícias judiciárias é uma estratégia essencial para fortalecer a capacidade estatal de combate ao crime, especialmente o organizado, tornar as investigações de lavagem de dinheiro mais eficazes e aprimorar a integridade e a eficiência das instituições policiais, por meio da criação de cultura de investigação patrimonial e especial atenção à administração de bens.

    Além disso, permite a recomposição do patrimônio às vítimas dos delitos e, quando a vítima é o

    Estado, possibilita que os ativos recuperados sejam reinvestidos na luta contra o crime, criando um ciclo virtuoso de fortalecimento das forças de segurança.

    As Polícias Civis dos Estados do CE, RJ, RS e SC possuíam uma unidade específica dedicada à recuperação de ativos, com diferentes formatações e atribuições. A Polícia Federal possui um Serviço de Recuperação de Ativos, unidade inserida na estrutura organizacional da Divisão de Repressão à Lavagem de Dinheiro (DRLD) da Coordenação-Geral de Repressão à Corrupção e

    Crimes Financeiros (CGRC) da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (DICOR).

    O relatório contém no Anexo I uma proposta de modelo normativo para ajudar as polícias judiciárias a criarem sua Unidade de Recuperação de Ativos, conforme gráfico abaixo:

    O anexo da Portaria MJSP n. 533/23 compila recomendações para a criação de unidades de recuperação de ativos:

    1. CRIAÇÃO E ESTRUTURA

    1.1. A unidade temática de Recuperação de Ativos em procedimentos criminais deve ser criada dentro da estrutura das Polícias Civis e da Polícia Federal e ser, necessariamente, coordenada por Delegado(a) de Polícia.

    1.2. Para fins de uniformização da nomenclatura das unidades, sugere-se adotar a expressão “Recuperação de Ativos”.

    1.3. A unidade deve ser alocada, estrategicamente, em ambiente organizacional com canais efetivos de comunicação entre a administração superior e as unidades operacionais de modo a garantir o fluxo contínuo de informações entre todos os níveis.

    2. COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADES

    2.1. A unidade de Recuperação de Ativos não será responsável pela custódia de quaisquer bens, direitos e valores apreendidos, sequestrados ou cujo perdimento houver sido decretado em favor da instituição, do erário ou de fundo designado.

    2.2. Caberá à unidade de Recuperação de Ativos:

    I – assessorar os procedimentos de persecução patrimonial;

    II – integrar ou atuar de forma integrada com a comissão local de avaliação e alienação de bens apreendidos ou perdidos em razão da prática de crimes vinculada à Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública;

    III – ter autorização para gerir ativos de valor econômico apreendidos por atuação própria ou em conjunto com as unidades operacionais;

    IV – legitimar o peticionamento nos procedimentos judiciais que envolvam a recuperação de ativos apreendidos em investigações policiais;

    V – atuar como ponto focal do sistema da Segurança Pública acerca da recuperação de ativos apreendidos de valor econômico;

    VI – integrar a Rede Nacional de Recuperação de Ativos – RECUPERA;

    VII – promover o intercâmbio de informações relacionadas às matérias de sua atribuição junto à Recupera, com outras unidades, centrais e descentralizadas, e outros órgãos que atuem nessa temática;

    VIII – adotar e propor normas e diretrizes específicas, correlatas à sua área de atuação, tendo em vista a padronização de procedimentos e a otimização do desempenho das demais unidades da instituição;

    IX – propor normas e procedimentos administrativos relacionados à recuperação de ativos, especialmente os relacionados na Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998;

    X – promover a articulação com os órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e entidades públicas e privadas que disponham de informação considerada relevante para os objetivos da unidade de Recuperação de Ativos;

    XI – identificar e acompanhar os procedimentos de recuperação de ativos no âmbito judicial e administrativo; e

    XII – propor, implementar e monitorar a adoção de indicadores, consolidando dados na Recupera, de forma padronizada.

    2.3. Caberá à unidade de Recuperação de Ativos na Persecução Patrimonial (para a unidade que também adotar essa competência):

    I – conduzir procedimentos de investigação financeira ou patrimonial com a identificação, localização e apreensão de bens ou produtos relacionados com delitos, preferencialmente de maneira simultânea e em paralelo ao procedimento de investigação principal; e

    II – cooperar com as unidades policiais na construção de estratégias de investigação financeira ou patrimonial, bem como realizar ações operacionais de apoio às referidas unidades.


    Ação 2: Criação da Rede Nacional de Recuperação de Ativos – RECUPERA

    Junto à implementação de Unidade de Recuperação de Ativos nas Polícia Civis e Federal, foi também realizada a definição acerca da estrutura organizacional e da forma de institucionalização de uma Rede Nacional de Recuperação de Ativos.

    A criação de unidades específicas é fundamental, mas não alcança seu potencial se cada unidade atuar de maneira isolada. Somente a atuação coordenada dos órgãos pode aumentar sua efetividade, como demonstram iniciativas como a Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro–REDE-LAB (7). Nesse sentido, a idealização de unidades específicas para lidar com o tema da recuperação de ativos não poderia vir desacompanhada da proposta de sua atuação em rede.

    Os debates realizados resultaram na elaboração de dois instrumentos normativos, um para definir a estrutura operativa da Rede e outro para tratar das questões relacionadas à definição de políticas públicas, que necessariamente envolvem outros órgãos públicos.

    Dessa iniciativa foram criados a Rede Nacional de Recuperação de Ativos – RECUPERA, com caráter operacional e de identificação de problemas, tipologias e melhores práticas; e o Conselho Nacional de Políticas sobre Recuperação de Ativos – CONARA, com competência para discutir e aprovar o Plano Nacional de Políticas sobre Recuperação de Ativos, receber as demandas da Rede RECUPERA e articular com outros órgãos públicos nesta temática (inclusive com os Comitês Interinstitucionais de Recuperação de Ativos dos Estados).

    A Rede Nacional de Recuperação de Ativos – RECUPERA foi instituída pela Portaria MJSP n. 533, de 11 de dezembro de 2023, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, como instância de articulação institucional destinada a identificar, localizar, apreender, administrar e destinar ativos relacionados à prática de infração penal.

    A RECUPERA buscará o fortalecimento das unidades de Recuperação de Ativos das Polícias Civis e Federal, assim como estabelecer um ambiente seguro e favorável para promoção do compartilhamento de experiências e metodologias de trabalho; divulgar e incentivar a adoção de boas práticas procedimentais e de atuação; e proporcionar a capacitação integrada e aperfeiçoamento contínuo dos envolvidos (art. 2º).

    A RECUPERA é composta de representantes dos seguintes órgãos (art. 3º):

    • Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (DIOPI) da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), que exercerá a coordenação da rede (8);
    • Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal (DICOR/PF);
    • Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Interacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justiça (SENAJUS);
    • Diretoria de Gestão de Ativos e Justiça (DGA) da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD); e
    • Polícias Civis, por meio de suas unidades de Recuperação de Ativos devidamente constituídas, mediante Termo de Adesão firmado com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (9).

    O art. 3º, § 3º, prevê que poderão ser convidados a participar das ações da RECUPERA, na qualidade de colaboradores, os órgãos e entidades públicas que demonstrem relação entre a sua atividade-fim e a recuperação de ativos.

    As atividades da RECUPERA observarão, dentre outros, os princípios (art. 4º) de eficiência das polícias judiciárias nas atividades de prevenção e repressão criminal com ênfase na recuperação de ativos; relação harmônica e colaborativa entre os integrantes da rede e os demais órgãos; e promoção da produção de conhecimento sobre recuperação de ativos.

    Compete a RECUPERA (art. 5º):

    • Incentivar, fortalecer e ampliar as ações e a integração das unidades de Recuperação de Ativos das Polícias Civis e Federal;
    • Promover a efetividade das ações de recuperação de ativos;
    • Incentivar que as unidades de Recuperação de Ativos possuam atribuições para assessorar ou executar procedimentos de persecução patrimonial, bem como acionar órgãos e entidades atuantes em matéria de recuperação de ativos;
    • Promover a articulação com órgãos do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público, bem como com entidades públicas e privadas que disponham de informação relevante para a recuperação de ativos;
    • Promover o intercâmbio de informações entre as unidades de Recuperação de Ativos e com os demais órgãos públicos e entidades atuantes na matéria;
    • Apoiar a coleta e a consolidação de dados e informações operacionais e de produtividade que auxiliem na produção de indicadores, de estatísticas e de conhecimento sobre recuperação de ativos;
    • Contribuir na formação e capacitação qualificada dos integrantes das unidades que compõem a Rede, de maneira padronizada e integrada;
    • Auxiliar no desenvolvimento e aplicação de métodos e técnicas destinados à recuperação de ativos;
    • Contribuir para o acesso e o aprimoramento de banco de dados, tecnologias e equipamentos necessários para as atividades de recuperação de ativos;
    • Fomentar a harmonização das estruturas organizacionais das unidades que compõem a Rede;
    • Integrar o Conselho Nacional de Políticas sobre Recuperação de Ativos (CONARA) por meio de um representante a ser designado pela Rede;
    • Apresentar proposta de alteração de normativos relacionadas ao tema recuperação de ativos, respeitadas as competências legais;
    • Sugerir o estabelecimento de normas específicas para a implementação dos procedimentos administrativos de execução da Lei n. 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), no âmbito estadual e distrital; e
    • Encaminhar ao CONARA as propostas de recomendações sobre o tema de recuperação de ativos.

    A RECUPERA promoverá a articulação com a Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (REDE-LAB) (7) para a padronização de conceitos, procedimentos e modelos de trabalho, a compatibilização de tecnologias aplicadas e a troca de informações técnicas entre os seus integrantes, resguardadas as de caráter sigiloso (art. 8º). O usuário que se valer indevidamente das informações obtidas por meio da Recupera estará sujeito a sanções administrativa, civil e criminal, nos termos da lei (art. 10).

    Ao lado da RECUPERA, o Decreto n. 11.842, de 21 de dezembro 2023, instituiu o Conselho Nacional de Políticas sobre Recuperação de Ativos – CONARA, órgão consultivo, de caráter permanente, integrante do Sistema de Justiça.

    O CONARA é composto por (art. 3º):

    • Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, que o presidirá;
    • Um representante da RECUPERA;
    • Um representante da Advocacia-Geral da União;
    • Um representante convidado de cada um dos seguintes órgãos: Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público e Conselho Nacional de Procuradores-Gerais; e
    • Um representante de cada uma das seguintes unidades da estrutura organizacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública: Secretaria Nacional de Justiça, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, Secretaria Nacional de Segurança Pública e Polícia Federal.

    Poderão participar das reuniões do CONARA, mediante deliberação do Plenário e a convite do Presidente, sem direito a voto, representantes do Poder Legislativo, em caráter permanente; representantes de outros órgãos e entidades que atuem na matéria; e personalidades e entidades com notória atuação na área.

    Ao CONARA compete (art. 2º):

    • Discutir e propor o Plano Nacional de Políticas sobre Recuperação de Ativos, e submetê-lo à aprovação do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública. As ações e as metas deste Plano Nacional observarão a competência legal de cada órgão e dependerão de avaliação de viabilidade técnica e orçamentária da administração pública federal;
    • Acompanhar, orientar e avaliar o cumprimento das diretrizes nacionais das políticas públicas sobre recuperação de ativos;
    • Identificar e difundir boas práticas sobre recuperação de ativos no âmbito do Poder Executivo, do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos das três esferas de Governo;
    • Articular-se com outros órgãos colegiados de recuperação de ativos;
    • Acompanhar, sugerir e se manifestar sobre proposições legislativas referentes à política sobre recuperação de ativos, em assessoramento aos órgãos que o compõem; e
    • Atuar perante outros órgãos públicos, entes privados e organismos internacionais para facilitar, promover e compartilhar projetos de interesse da Política Nacional de Recuperação de Ativos, observadas as competências do Ministério das Relações Exteriores.

    Ação 3: Expansão das Atribuições da SENAD

    O relatório do Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça contém minuta para alteração do Decreto nº 11.348/2023, que rege as alienações de ativos pela SENAD, com o objetivo declarado de permitir a sua atuação em casos de infrações penais que gerem perdimento de ativos para todos os entes federados.

    Esse decreto já fora abordado antes em postagem desse blog (4), quando se afirmou que a SENAD se converteu em verdadeira agência de gestão de bens apreendidos em todos os processos criminais do país.

    Confrontando a proposta de alteração do Decreto nº 11.348/2023 constante do relatório com o texto atualmente vigente, percebe-se que são ajustes de esclarecimento das atribuições, sem grandes modificações nas atribuições da SENAD.

    Ação 4: Padronização da Nomenclatura de Ativos

    A SENAD utiliza-se do termo “ativos” para abranger todas as categorias de bens, estando em consonância com a compreensão e as práticas nacionais e internacionais nesse campo.

    Visando manter a padronização de nomenclatura dos ativos apreendidos, a partir da implementação do Sistema Informatizado de Gestão de Ativos Apreendidos (SIGAP), a SENAD passou a servir-se das categorias listadas a seguir, que são utilizadas tanto pelo Sistema Nacional de Gestão de Bens – SNGB, do Conselho Nacional de Justiça, quanto pela Polícia Federal:

    Ação 5: Definição de Indicadores e Incentivos Financeiros

    Considerando a importância de incentivar a criação de Unidade de Recuperação de Ativos atrelada às Polícias Civis e à Polícia Federal, reconhece-se como necessária uma política específica de indução para o repasse de recursos aos estados e ao Distrito Federal visando a criação dessas unidades.

    Sobre o assunto, o MJSP publicou a Portaria MJSP n. 439, de 4 de agosto de 2023, que regulamenta as áreas temáticas e o rol de itens financiáveis, nos exercícios orçamentários de 2023 e 2024, com os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, transferidos na forma do inciso I do art.

    7º da Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018.

    No entanto, o grupo de trabalho considerou que incentivo específico para induzir repasses de recursos para os estados visando fomentar a gestão de recuperação de ativos é tarefa que envolve uma série de desafios, incluindo questões legais, orçamentárias, políticas e de coordenação interinstitucional. Por tais motivos, concretizar essa iniciativa requer maiores estratégias e prioridade em âmbito político.

    Ação 6: Mapeamento Legislativo

    A análise das leis e instrumentos nacionais que tratam da recuperação de ativos é essencial para compreender os desafios e avanços na luta contra o crime transnacional e na promoção da integridade financeira global.

    No âmbito dos Estados e do Distrito Federal foi identificado arcabouço legislativo sobre recuperação de ativos, notadamente a respeito da regulamentação do artigo 7º da Lei 9.613/98 e também da atuação dos Comitês Interinstitucionais de Recuperação de Ativos (CIRAs) – cuja estrutura e modelo foram abordados em postagem anterior (3). Esse levantamento legislativo consta do site do RECUPERA (10).

    Ação 7: Criação de Repositório on line

    O fomento à recuperação de ativos impõe disponibilizar conteúdo com informações, modelos, estudos, ferramentas e contatos, relacionados ao tema para os agentes públicos diretamente envolvidos na sua execução e, na sua vertente pública, produzir e disponibilizar informações sobre o tema à sociedade em geral.

    Partindo dessa premissa, foi criado um informativo site para a Rede Nacional de Recuperação de Ativos – RECUPERA (6). Além das informações públicas, foi criada área com acesso restrito aos agentes das unidades de recuperação de ativos dos órgãos que integrarão a Rede. Neste ambiente foram disponibilizados manuais, modelos, ferramentas, vídeos, dentre outros dedicados à investigação e recuperação de ativos oriundos de infrações penais.

    Ação 8: Plano Anual de Atuação

    Ação 9: Impactos Financeiros da Guarda de Veículos Apreendidos

    Nessa ação foram pontuados problemas administrativos enfrentados pela SENAD no processo de alienação de veículos apreendidos em pátios pelas polícias civis dos estados, notadamente aquele que relacionado ao custo de recolhimento e remoção dos veículos para os pátios dos leiloeiros.

    A principal forma adotada pela SENAD para alienação de bens apreendidos é a licitação na modalidade de leilão, adotada tanto para bens móveis quanto para imóveis, independentemente do valor de avaliação, seja isoladamente ou em lotes. Desde 2019 a SENAD adota a forma de contratação de leiloeiros através de credenciamento.

    Os editais de credenciamento continham obrigações relacionadas ao recolhimento dos veículos para o pátio do leiloeiro. Todavia, o leiloeiros enfrentavam dificuldades nesse processo porque a comissão, equivalente a 5% do valor de arrematação dos veículos, frequentemente não era suficiente para cobrir os custos envolvidos no processo de remoção.

    Para concretizar essa iniciativa, viu-se a necessidade de confecção de novo edital de credenciamento com a instrumentalização de novos contratos com leiloeiros.

    Ação 10: Capacitação em Investigação Financeira e Patrimonial

    A ação visa identificar capacitações relacionadas à investigação financeira e patrimonial oferecidos pelo Ministério da Justiça, para fins de padronização da informação (11).

    No primeiro semestre de 2023, o Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD) iniciou aproximação com as escolas das Polícias Civis e Federal, dos Ministérios Públicos e da Magistratura sobre temas do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Esta iniciativa poderá ser acrescida da futura análise sobre as disciplinas oferecidas na temática da recuperação de ativos por parte destas escolas públicas.

    Interessante notar que o relatório indica que os cursos devem abordar cada uma das etapas da Recuperação de Ativos, conforme definidas pelo Grupo de Trabalho (identificação, apreensão, administração, alienação e destinação, sem perder de vista a visão de conjunto destas etapas), e ainda:

    • Foco no aprimoramento da investigação criminal e no enfrentamento da criminalidade: estimular as Polícias Judiciárias a adotarem um estilo de investigação criminal que leve em consideração a potencialidade da recuperação de ativos, principalmente como instrumento de descapitalização das Organizações Criminosas. Os cursos precisam abordar tanto os aspectos operacionais das investigações criminais e como aspectos administrativos relacionados à gestão dos bens apreendidos. Os destinatários do curso não serão apenas as unidades especializadas em Recuperação de Ativos, mas todos os setores policiais que de algum modo estejam relacionados à investigação criminal que possa resultar na possibilidade de recuperação de ativos e também setores ligados à gestão dos bens apreendidos (desde a gestão feita por meio de sistemas informatizados, como a gestão física dos bens (em pátios, depósitos etc); e
    • Continuidade do projeto de integração entre PNLD e Escolas e Academias das Polícias Civis: continuar o mapeamento sobre capacitações e materiais didáticos já existentes nas Escolas e Academias das Polícias Civis, acrescendo a esta pesquisa os temas específicos da recuperação de ativos. Propor que estas Escolas e Academias produzam materiais específicos sobre recuperação de ativos em seus cursos de formação e de aprimoramento profissional.

    Ação 11: Procedimentos Padrão para Apreensão de Criptoativos

    A Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal elaborou proposta de modelo de custódia de ativos virtuais apreendidos em operações de polícia judiciária para implementação posterior à regulação da Lei nº 14.478/2022 pelo Banco Central do Brasil.

    A proposta tem por objetivo apresentar um modelo ideal de custódia e procedimentos a serem adotados pelas equipes policiais que se deparam com a necessidade de apreender e custodiar, ainda que temporariamente, ativos virtuais em razão da deflagração de operações de polícia judiciária.

    Em momento anterior a atual promulgação legislativa, o caminho majoritariamente buscado pelas equipes era o de preservar as chaves privadas em “cold wallets”, em virtude da grande incerteza e insegurança ligada às exchanges.

    A promulgação de lei federal, com previsão de regulamento com critérios objetivos de funcionamento dessas entidades, permite que se utilize essas pessoas jurídicas tanto para a fase de custódia, quanto para a fase de alienação. A utilização das Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) evita que as equipes policiais fiquem pessoalmente vinculadas às chaves-transferência (seeds, pins, chaves privadas), conferindo maior segurança e eficiência ao processo de custódia de ativos virtuais.

    Para o relatório, seriam necessários alguns pontos de partida para a viabilidade e maior segurança do modelo sugerido:

    • Aprovação da regulamentação do Banco Central do Brasil prevista na Lei 14.478/2022;
    • Credenciamento prévio de exchanges pelo Poder Judiciário;
    • Criação de carteiras judiciais nas exchanges por processo judicial;
    • Liquidação dos ativos por meio de leilão promovido pelas exchanges;
    • Possibilidade de leiloar os ativos virtuais em lotes;
    • Recolhimento dos valores obtidos através do leilão em conta judicial designada.

    Com o objetivo de sistematizar procedimentos de acordo com a prática operacional, o relatório sugere o desenvolvimento de três fases: planejamento de custódia e cumprimento de mandado de busca e apreensão; transferência dos ativos virtuais localizados e apreendidos para carteiras criadas pelas exchanges e efetivo cumprimento de mandado de busca e apreensão; e elaboração de informações policiais de análise e/ou laudos periciais contendo os hash das operações de transferência e comunicação ao juízo competente.

    O modelo ainda orienta as polícias no seguinte procedimento padrão:

    • Representação para que seja solicitada abertura de conta em exchange no CNPJ da instituição que está realizando a investigação, por exemplo Polícia Civil;
    • Representação para que haja a conversão de ativos virtuais não custodiáveis pelos endereços controlados pela Polícia Civil em ativos cujas custódia e liquidação sejam possíveis (devendo toda a ação de conversão ser relatada em documento apartado);
    • Representação para que, após autorização judicial, seja assinado o Termo de Atuação Cooperada para que a conta seja administrada por um Diretor estatutário da exchange e sua movimentação dependa de ordem legal ou de decisão judicial; e
    • Representação pela expedição de ofícios judiciais para bloqueio de contas e posterior sequestro de criptoativos e valores às empresas, cuja custódia das chaves privadas sejam eventualmente por elas administrada (exchange ou empresa similar de custódia ou intermediação), bem como que essas instituições comuniquem sobre as pessoas investigadas que estavam com as contas ativas, quais as quantias bloqueadas (quantidade com a discriminação de cada ativo bloqueado) e os endereços de ativos virtuais que, porventura, foram utilizados para retirada desses ativos da conta do cliente, antes da solicitação de bloqueio.

    As orientações desta ação estão consonância com o Roteiro de Atuação sobre Persecução Patrimonial com Criptoativos do Ministério Público Federal (12) e com a Resolução n. 288/24 do Conselho Nacional do Ministério Público sobre apreensão, custódia e liquidação de ativos virtuais (13).

    A regulamentação do Banco Central sobre a Lei 14.478/2022 não foi editada na data de publicação desta postagem.

    Notas

    1. https://investigacaofinanceira.com.br/siga-o-dinheiro/;
    2. Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/reports/Operational%20Issues_Financial%20investigations%20Guidance.pdf;
    3. https://investigacaofinanceira.com.br/investigacao-financeira-ii-recuperacao-de-ativos/;
    4. https://investigacaofinanceira.com.br/recuperacao-de-ativos-alienacao-antecipada-e-administracao-de-bens/;
    5. Como resultados diretos da atuação da ENCCLA na recuperação de ativos, há os resultados relacionados com a criação do Sistema Nacional de Bens Apreendidos – SNBA, dos Laboratórios de Tecnologia no Combate à Lavagem de Dinheiro – LAB-LD e o Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias – Simba. Há, ainda, as alterações legislativas relacionadas com as mudanças previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro que tratam especificamente de medidas assecuratórias e a inserção do art. 144-A do Código de Processo Penal, cuidando da alienação antecipada para a preservação do valor do bem;
    6. Imagem retirada de: https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/recupera;
    7. https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/lab-ld;
    8. Art. 6º Compete à Secretaria Nacional de Segurança Pública, por intermédio da Diopi: I – promover o intercâmbio de policiais para cooperação entre os integrantes da Recupera; II – realizar capacitação e qualificação dos policiais atuantes nas atividades de recuperação de ativos; III – realizar, regularmente, encontros regionais, nacional e internacional dos integrantes da Recupera; IV – incentivar a modernização e a padronização das estruturas das unidades que compõem a Recupera; V – consolidar e divulgar indicadores, estatísticas e conhecimento produzidos pela Recupera; e VI – fomentar políticas públicas no âmbito do MJSP que tenham foco específico na recuperação de ativos e no auxílio estruturante às unidades que compõem a Recupera. Parágrafo único. As atividades de que trata este artigo poderão ser realizadas por meio de parcerias com os integrantes da Recupera, órgãos do MJSP ou outros órgãos públicos e entidades.
    9. Art. 7º Compete à Polícia Federal e às Polícias Civis aderentes à Rede Nacional de Recuperação de Ativos: I – respeitar os propósitos e os princípios da Recupera; II – garantir o integral cumprimento do Termo de Adesão; III – garantir a formação, a capacitação e a qualificação de seus servidores em temas relacionados à recuperação de ativos; IV – disponibilizar soluções tecnológicas, instalações e recursos humanos necessários ao pleno funcionamento das unidades de recuperação de ativos; V – designar, formalmente, representante titular e suplente para compor a Recupera; e VI – encaminhar à Coordenação da Recupera relatórios periódicos contendo dados e avaliações estatísticas consolidadas de acordo com o formato padrão e periodicidade indicados pela Coordenação da Rede, respeitadas as limitações de sigilo da legislação vigente. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos demais integrantes da Recupera, no que couber. Art. 9º O Ministério da Justiça e Segurança Pública instituirá, em sessenta dias, a contar da data de entrada em vigor desta Portaria, mecanismos de premiação das unidades de Recuperação de Ativos das polícias com base nas práticas e resultados obtidos.
    10. https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/recupera/legislacoes-estaduais-1/?_authenticator=7bb1125624db153821fa3e5d37b44ef5004018ee e https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/recupera/normas-relacionadas-ao-tema;
    11. https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/recupera/cursos-recupera/?_authenticator=a9cb206ce64dace9a4d7b20ba56d1b66485ca360;
    12. https://investigacaofinanceira.com.br/regulacao-de-criptoativos-no-brasil-parte-v-roteiro-de-atuacao-do-mpf/;
    13. https://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/17514-publicada-resolucao-do-cnmp-que-disciplina-atuacao-do-ministerio-publico-nos-casos-de-apreensao-custodia-e-liquidacao-de-ativos-virtuais;

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